EDP queixa-se de financiar o sistema eléctrico em 140 milhões
A EDP votou contra as tarifas de electridade que a ERSE aprovou para 2019. O corte de 285 milhões relacionado com os CMEC é um dos motivos, o outro tem a ver com o corte às renováveis que a empresa se queixa de ser obrigada a financiar.
O corte de 140 milhões de euros às receitas dos produtores de energias renováveis que foi anunciado no final de 2016 pelo ex-secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, ainda não foi concretizado, mas voltou a servir para aliviar as tarifas reguladas de electricidade. E a EDP já fez saber que se sente prejudicada pela medida.
A EDP (através da EDP Serviço Universal e da EDP Distribuição) foi a única instituição representada no conselho tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que votou contra a proposta tarifária para 2019, não só porque esta inclui devoluções aos consumidores de 285 milhões de euros relativos aos acertos de contas dos polémicos contratos CMEC (que a EDP já anunciou que vai contestar), mas também porque a reguladora voltou a contabilizar como medida para conter preços e reduzir dívida tarifária o valor da alegada dupla subsidiação da produção renovável em regime especial (a chamada PRE).
A EDP considera que o financiamento desta medida – que vale cerca de 140 milhões de euros – está a ser feito à custa da diminuição dos proveitos permitidos da EDP Serviço Universal e diz que isso “viola o respectivo equilíbrio económico-financeiro” desta empresa regulada.
Apesar de Seguro Sanches ter considerado ilegal que os produtores em regime especial tivessem acumulado tarifas subsidiadas com apoios aos investimentos, mandando cortar às suas receitas um valor em torno de 140 milhões de euros para beneficiar os preços e o défice tarifário em 2017, as deduções nunca aconteceram e o dinheiro nunca entrou no sistema.
Porém, para cumprir a portaria do ex-governante, o que a ERSE fez foi deduzir este valor que os produtores terão recebido em excesso aos custos estimados da EDP Serviço Universal (EDP SU) com a compra desta produção em regime especial. Isto porque a EDP SU é a entidade do sistema eléctrico que exerce a função de comercializador de último recurso (CUR) e que compra a produção aos produtores em regime especial, recuperando depois os montantes através das tarifas.
Trata-se de uma medida que o actual secretário de Estado da Energia, João Galamba, já reconheceu ao PÚBLICO ter “problemas de aplicação prática”, pois a haver “devolução das verbas excessivas”, e tratando-se de fundos comunitários, “essas não seriam entregues nem ao sistema, nem ao Estado, mas sim a Bruxelas”. Mesmo assim, o corte voltou a ser tido em consideração pela ERSE, que afirma ter recebido – a 9 de Outubro de 2018 – uma comunicação da secretaria de Estado da Energia indicando-lhe que os montantes recebidos cumulativamente pelos produtores de renováveis atingiram 309,3 milhões de euros.
No seu comentário ao parecer do conselho tarifário (órgão onde estão representadas diversas entidades, desde empresas reguladas a associações de consumidores, e que tem de se pronunciar antes da publicação das tarifas), a entidade liderada por Cristina Portugal explica que “considerou, por prudência, no cálculo da proposta tarifária para 2019 um montante de 140 milhões a abater nas tarifas, decorrente da aplicação da portaria nº69/2017” (que substituiu a portaria original, de Outubro de 2016).
A ERSE sublinha que esse valor se “situa substancialmente abaixo do limite superior comunicado pela Secretaria de Estado da Energia” – mas também refere que “a devolução daqueles montantes carece da publicação de um despacho do Governo, após proposta da Direcção-geral da Energia e Geologia (DGEG), ouvida a ERSE, o qual ainda não foi publicado”.
A EDP SU, tal como o conselho tarifário, ressalva que, mesmo na ausência de despacho, a ERSE entendeu prosseguir com o corte às receitas dos produtores. Enquanto o CT refere que, “caso esta devolução não se concretize”, pode estar em causa um “possível impacto no equilíbrio económico-financeiro da EDP SU” (o que a verificar-se tem de ser compensado no futuro pelas tarifas da electricidade), a empresa regulada do grupo EDP diz mesmo que já está a perder dinheiro.
“Desde há dois anos para cá – e, nos termos da proposta agora em análise, também nos próximos dois anos – o CUR, com grande esforço financeiro, está a financiar o SEN [Sistema Eléctrico Nacional] em 140 milhões de euros”, refere a representante da EDP Serviço Universal no conselho tarifário, Joana Pinto Simões, na sua declaração de voto.
A EDP SU queixa-se ainda que, uma vez que a ERSE decidiu “reduzir o spread a aplicar aos ajustamentos de 2018 de 0,75 pontos percentuais para 0,5 pontos percentuais” (porque sobre os pagamentos que a empresa recupera mais tarde nas tarifas contam-se juros), está a “suportar custos de financiamento superiores à remuneração que vai auferir das tarifas” e isso representa “uma perda financeira” para a empresa.
A responsável da EDP sublinha ainda que é “expectável que o valor permaneça em desvio por mais dois anos, elevando o prazo de financiamento do sistema para quatro anos, o que não se afigura razoável”. E critica a entidade reguladora, considerando que só “deveria voltar a colocar um valor nas tarifas quando tivesse dados para efectuar uma estimativa mais precisa” do montante, e só depois de estar definida “uma metodologia clara que permitisse ao CUR recuperar este valor” dos produtores com tarifas subsidiadas.
Recentemente, a ERSE confirmou ao PÚBLICO que o acerto de contas com a EDP SU relativamente às tarifas de 2017 teria de ser feito nas tarifas de 2019. O PÚBLICO questionou a entidade reguladora se a ERSE fez esse acerto e se voltou a deduzir o montante de 140 milhões aos custos estimados da EDP SU com a compra da PRE - na prática adiando novo ajuste de contas para daqui a dois anos, ou seja, 2021 -, mas não obteve comentário em tempo útil.
A EDP também não comentou e não foi igualmente possível confirmar junto da secretaria de Estado da Energia qual vai ser a decisão relativa ao corte aos produtores eólicos.