Uma tentativa de condicionamento da opinião
Condenar Rui Rio e o PSD como agentes mandatados para matar a autonomia do MP apenas porque pensam de forma diferente sobre a formação do CSMP é sem dúvida um excesso que limita o debate a balizas que reproduzem um mundo a preto e branco.
A reacção do PSD e de Rui Rio às ameaças de greve do sindicato dos magistrados do Ministério Público e às promessas de demissão da procuradora-geral da República é uma boa oportunidade para se reflectir sobre os limites do debate democrático – Rio falou de pressão inaceitável e de tentativas de condicionamento.
Vamos por partes: como já aqui escrevemos, colocar na mesa a possibilidade de o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) deixar de ter uma maioria de procuradores após as sequelas da substituição da anterior procuradora-geral e numa fase em que os cidadãos não podem ter a mínima dúvida de que a impunidade acabou na alta política é um erro de casting; mas mesmo que o seja, a reacção corporativa dos procuradores é alarmante e a teia de suspeitas sobre supostos interesses obscuros tecida sobre o PSD e o seu líder não deixa de ser reveladora de um certo maniqueísmo que se vai instalando no debate público.
Rui Rio quer mudar a relação de forças entre “civis” e procuradores no conselho, porque, como ele sublinha, anda há anos a protestar contra o alegado corporativismo do MP ou denunciar sistemáticas violações da lei no âmbito do segredo de justiça. Tendo essa percepção, é da sua responsabilidade apresentar alternativas políticas. E, fazendo-o, não deve ser condenado sumariamente como um vilão por ter visões que escapam aos consensos das profissões ou à opinião da maioria dos agentes políticos – ou dos jornalistas.
Pode ser criticado pela natureza da sua proposta e pelo facto de a ter defendido agora (mesmo que a alteração dos estatutos do MP seja uma iniciativa do Governo), mas daí ver nas suas ideias uma ameaça à prossecução da Justiça capaz de justificar greves ou de demissões vai uma grande distância.
Se a proposta de Rio é má e o momento da sua apresentação péssimo, a reacção dos procuradores é desproporcionada. Condenar Rui Rio e o PSD como agentes mandatados para matar a autonomia do MP apenas porque pensam de forma diferente sobre a formação do CSMP é sem dúvida um excesso que limita o debate a balizas que reproduzem um mundo a preto e branco.
Ora, se é crucial para todos que os procuradores mantenham a sua agenda, o seu poder e a sua determinação em combater a corrupção, é bom que se mantenham nesse lugar e não queiram a partir daí constituir-se em figuras tutelares do que se pode, ou não pode, discutir.