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Tancos: “Laranjinha” e “Caveirinha” foram apanhados, mas o caso ainda não terminou

Entre os oito novos arguidos da megaoperação da Polícia Judiciária está o filho de um médico de Ansião. Ex-furriel que passou informações cruciais a assaltantes acabou de entrar para a GNR.

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A operação da PJ foi desencadeada ano e meio após o assalto aos paióis nacionais PAULO CUNHA/LUSA

Entre as oito pessoas detidas ontem na megaoperação desencadeada pela Polícia Judiciária por causa do roubo do material militar de Tancos, todos eles civis, incluem-se homens com antecedentes criminais, conhecidos por alcunhas como “Laranjinha” e “Caveirinha”, mas também jovens de 23 ou 24 anos. Um deles, na casa do qual foram encontrados cerca de cem gramas de cocaína e uma quantidade de haxixe bastante superior, é filho de um médico de Ansião.

Nem todos terão estado em Tancos entre a noite do dia 27 e a madrugada do dia 28 de Junho de 2017: embora a maioria gravitasse em torno de João Paulino, o ex-fuzileiro detido no final de Setembro e considerado o cérebro do assalto, só parte deste grupo terá integrado a missão de ir ao quartel buscar munições, granadas e explosivos. Os restantes homens ter-se-ão ficado pelo fornecimento de apoio logístico aos cúmplices. As informações sobre a localização do material e a melhor forma de chegar a ele foram-lhes dadas por um furriel contratado que prestava serviço em Tancos e que entretanto já saiu do Exército, para entrar na GNR. Ia saber esta semana em que quartel da Guarda ficaria colocado. O ex-militar ainda não foi apanhado, por se encontrar de férias em Espanha, mas as operações policiais desencadeadas ontem permitiram deter na zona de Aveiro um tio seu, suspeito de ser a ligação entre o informador dos ladrões e João Paulino. Pelas informações foram-lhe prometidos 30 mil euros.

Residente na zona de Tomar, “Laranjinha” será o homem que ia recebendo as pistolas Glock que desapareceram da sede nacional da PSP à medida que agentes da polícia as iam furtando das instalações. Não as vendia ao consumidor final: entregava-as a intermediários, ficando com uma margem de lucro. Uma das pessoas que venderam algumas das Glock terá sido precisamente João Paulino. Já “Caveirinha”, que mora no Algarve, está ligado não só a negócios de armas mas também de drogas. Ambos terão ido a Tancos ajudar a carregar o material.

Mas fosse por se terem enganado no paiol ou por terem tido pressa em sair do quartel, a verdade é que parte significativa do material que levaram se lhes revelou imprestável: tinham compradores para as munições e para os explosivos, mas o mesmo não acontecia com o material de guerra mais pesado. Pistolas e G3 era aquilo que tinham em mente, mas que acabaram por não encontrar em Tancos. E esta pode ter sido uma das razões pelas quais o ex-fuzileiro resolveu devolver grande parte do material, com a cumplicidade de militares da GNR de Loulé e da Polícia Judiciária Militar (PJM).

As armas acabariam por aparecer a 35 quilómetros do local de onde desapareceram, cerca de três meses mais tarde. Os militares foram buscá-las a uma propriedade da avó de João Paulino e encenaram o seu reaparecimento na Chamusca, o que lhes viria a custar serem constituídos arguidos por uma panóplia de crimes, de terrorismo a tráfico de armas, passando por associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, tráfico de influência e abuso de poder.

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Resta saber por que razão João Paulino não se limitou a depositar o material num terreno abandonado, em vez de ter recorrido às autoridades para o devolver. Seja como for, continuam em falta quase 1500 munições de nove milímetros – o material claramente mais vendável –, tal como cinco granadas e várias cargas de explosivos.

Dezoito arguidos

Até ontem, havia dez arguidos no processo do roubo e do achamento das armas: além de João Paulino e do ex-director da PJM Luís Vieira, ambos em prisão preventiva, integravam o rol de suspeitos o homem cujas indicações terão sido preciosas para abrir o paiol, Paulo Lemos, mais conhecido por “Fechaduras”, Vasco Brazão, Roberto Pinto da Costa, José Carlos Costa e Mário Lage de Carvalho, os quatro igualmente da Judiciária Militar e ainda três guardas da GNR de Loulé – Bruno Ataíde, Lima Santos e José Gonçalves. O número de arguidos da Operação Hubris – um conceito grego que remete para a arrogância, por causa da atitude que a PJM demonstrou neste caso para com a sua congénere civil – subiu agora para 18, mas não irá ficar por aqui.

Ontem também foram ouvidas pelas autoridades judiciárias duas testemunhas: um colega do furriel de Tancos que entrou agora para a GNR e a namorada de um dos cúmplices de João Paulino, que chegou a trabalhar num bar que este tinha em Ansião.

Na operação desencadeada ontem participaram 85 investigadores e três magistrados do Ministério Público. O processo está a cargo do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que tem trabalhado com a Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária. Os novos arguidos deverão começar a ser interrogados esta terça-feira à tarde pelo juiz de instrução criminal João Bártolo.

No início de Outubro passado, e na sequência das repercussões políticas de um escândalo que havia de levar uma semana mais tarde à demissão do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, o primeiro-ministro António Costa deixava uma crítica velada aos investigadores: “Falta esclarecer muita coisa, e desde logo a captura dos ladrões. Devemos confiar em que a justiça faça o seu trabalho e os ladrões propriamente ditos sejam presos.”

Afirmações tão mais significativas quando nesta altura já se encontrava preso o principal assaltante, João Paulino – que alguns elementos da PJM insistem em dizer ter sido um mero informador desta polícia, usado para recuperar as armas, e não quem liderou o assalto. Apesar de ser a chave do caso, este arguido remeteu-se ao silêncio quando foi detido e interrogado, no final de Setembro passado.

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