Emmanuel Macron prometeu mudanças e anunciou um conjunto de medidas de cariz social e laboral para acalmar os protestos que tomaram conta de várias cidades francesas nos últimos quatro fins-de-semana. Mas os Coletes Amarelos continuam a incentivar os franceses, nas redes sociais, para que saiam novamente à rua no próximo sábado, para um “Acto V”. Ora, o Governo veio agora apelar à população que evite protestar, dando como como justificação a mobilização das forças de seguranças na sequência do ataque de terça-feira em Estrasburgo.

O principal suspeito do tiroteio ocorrido num mercado de Natal daquela cidade francesa, localizada no Leste do país, junto à fronteira com a Alemanha, ainda se encontra em fuga. Chérif Chekatt, um cidadão francês de 29 anos, condenado 27 vezes por delitos comuns em França, Alemanha e Suíça, terá sido o responsável pela morte de pelo menos três pessoas e pelo ferimento de outras 12.

Segundo as autoridades francesas, cinco dos feridos estão em estado crítico, um deles em morte cerebral.

“O que pedimos, com responsabilidade, é que as pessoas sejam razoáveis no sábado e não vão protestar”, apelou o porta-voz do executivo Benjamin Griveaux, em entrevista à estação televisiva CNews. “Não é razoável manifestarem-se. As nossas forças policiais e de segurança têm estado intensamente mobilizadas nas últimas semanas e ainda mais por causa do ataque em Estrasburgo”.

Mais de 700 elementos agentes foram destacados para uma verdadeira caça ao homem na região circundante de Estrasburgo, que envolveu controlos apertados a todos os veículos que atravessaram a Ponte Europa – que faz a ligação entre França e Alemanha –, uma operação relâmpago no bairro de Neudorf e uma cooperação estreita com as autoridades alemãs.

Foi também decretado o mais elevado nível de ameaça terrorista em todo o território francês e já foram detidas cinco pessoas.

Griveaux lembrou ainda as medidas anunciadas pelo Presidente Macron, em resposta às revindicações dos Coletes Amarelos, para argumentar que os manifestantes “foram ouvidos” e que o Governo “lhes deu respostas”.

O porta-voz do executivo liderado por Édouard Philippe esclareceu, no entanto, que apesar do estado máximo de alerta em França, “não foi decidido proibir as manifestações”. A acontecerem, que se desenrolem de forma “ordeira” e “calma”, pediu. 

A aclaração surgiu na sequência de uma série de apelos bastante mais incisivos por parte de figuras ligadas ao Governo e à República em Marcha, como Richard Ferrand (presidente da Assembleia Nacional), Nicole Belloubet (ministra da Justiça) ou Olivier Dussopt (secretário de Estado das Finanças), que afirmaram que o movimento “tem de acabar”, face aos esforços mobilizados pela tragédia de Estrasburgo e às medidas do Presidente.

Marine Le Pen, da União Nacional, também defendeu que “as manifestações não podem ter lugar no sábado”, tal como dirigentes municipais da região do Baixo Reno. Mas na França Insubmissa, há quem olhe para os apelos do Governo como uma “instrumentalização” do ataque para fins políticos.

“Os Coletes Amarelos não são responsáveis pelo tiroteio. Porquê instrumentalizar o acontecimento dramático de Estrasburgo para resolver um conflito social e político? Parece-me indecente”, lamentou no Twitter a deputada Clémentine Autain.

O Governo de Philippe enfrentou esta quinta-feira uma moção de censura na Assembleia Nacional, apresentada por parlamentares socialistas e comunistas, por causa da gestão da crise do último mês. A moção foi, no entanto, chumbada pela maioria da República em Marcha.

Desconfiança no executivo

O movimento Coletes Amarelos nasceu nas redes sociais como um protesto ao aumento do imposto sobre os combustíveis transformou-se em poucas semanas numa mega-manifestação contra o Governo e a presidência e defensora de reformas sociais, laborais e na educação.

Em algumas cidades francesas, como Paris, acabou por resultar em confrontos com a polícia, centenas de detidos e actos de vandalismo em restaurantes, lojas e monumentos, que obrigaram as autoridades a uma mobilização massiva e levaram vários museus e estabelecimentos comerciais a fechar portas.

Dentro do próprio movimento Coletes Amarelos – que agrega diferentes visões políticas e grupos sociais – há quem desconfie da forma como executivo está a gerir as suas comunicações sobre o ataque. O Le Monde falou com um grupo de pessoas que se juntou esta quinta-feira na região de Yonne para protestar e um dos manifestantes sugeriu que o modus operandi das autoridades para este tipo de incidentes não está a ser seguido.

“Não é costume revelarem o nome e a fotografia dos criminosos. Desde que o fizeram que só se fala nisso na televisão”, diz um reformado de 58 anos. “Temos a impressão de que o Governo está a agir assim para que o movimento seja travado”.

Nos vários grupos ligados aos Coletes Amarelos nas redes sociais não faltam teorias da conspiração. O Figaro fez um apanhado das reacções dos utilizadores aos apelos de Griveaux e constatou haver um clima generalizado de desconfiança na actuação do Governo.

Mas não foi só o poder político a vir apelar à moderação dos manifestantes. Cumprindo as súplicas de Macron, que pediu ajuda aos sindicatos para conter a contestação, a união sindical CFDT também o fez, alertando para a “fadiga extrema” das autoridades.

“Conseguimos perceber que há uma fadiga extrema na polícia e nos agentes de segurança”, disse esta quinta-feira o secretário-geral da CFDT Laurent Berger à rádio RFI. “Quem organiza os protestos deve dizer o que pretende fazer”.