Duelo final em Washington: "O muro, ou um Governo paralisado?"
O Presidente Donald Trump aceitou o peso político de ser responsabilizado por um shutdown. Em troca, volta a entusiasmar a sua base de apoio com a luta por uma promessa que tem os dias contados.
A uma semana de completar 700 dias na Casa Branca, e com o apoio das maiorias do Partido Republicano nas duas câmaras do Congresso, o Presidente Donald Trump ainda não conseguiu cumprir uma das suas promessas mais emblemáticas: a construção de um muro ao longo da fronteira com o México.
Agora, quando faltam apenas duas semanas para que o Partido Democrata passe a controlar a Câmara dos Representantes, fechando as portas ao sonho de Trump pelo menos até ao fim do seu mandato, em 2020, o Presidente lançou um ultimato: ou o Orçamento de 2019 vem com a verba necessária para a construção do muro, ou grande parte das agências e departamentos do Governo será encerrada por tempo indeterminado, com centenas de milhares de funcionários empurrados para uma licença forçada e sem vencimento na época de Natal.
O ultimato foi lançado na terça-feira, ao jeito de um Presidente habituado a usar as câmaras de televisão a seu favor e que tem no currículo vários anos como apresentador de um reality show. Sem que nada o fizesse prever, Trump abriu as portas da Sala Oval aos jornalistas no início de uma reunião com os dois líderes do Partido Democrata no Congresso, Nancy Pelosi e Chuck Schumer, e o que se seguiu foi uma troca de palavras, nunca antes testemunhada em directo pelo grande público, entre os mais poderosos líderes políticos do país — para além de Trump, Pelosi e Schumer, estava presente o vice-presidente, Mike Pence, que não disse uma única palavra durante os 16 minutos de conversa.
Em causa estão as reais possibilidades de que seja construído um muro ao longo da fronteira com o México. Ainda que o Presidente Trump tenha dado a entender, em várias ocasiões, que isso ia acontecer "de uma forma ou de outra", a verdade é que só há uma solução que não implica longas batalhas judiciais e uma redefinição da autoridade de cada um dos poderes: a aprovação, no Congresso, de um orçamento para esse fim.
Era isso que se esperava quando Trump venceu as eleições presidenciais e o Partido Republicano renovou a maioria nas duas câmaras do Congresso, em 2016. Mas se nem assim foi possível desbloquear verbas para o muro, então essa tarefa será impossível a partir de Janeiro, quando o Partido Democrata começar a travar, na Câmara dos Representantes, a esmagadora maioria das propostas da Casa Branca.
"É agora, ou nunca"
Na reunião de terça-feira, a actual líder dos democratas na Câmara dos Representantes e provável speaker (presidente) a partir de Janeiro, Nancy Pelosi, desafiou Trump a aproveitar os dias que restam de maioria republicana naquela câmara para levar a votos uma proposta de Orçamento com verbas para a construção do muro — uma provocação feita em directo, quando se sabe que é muito provável que essa proposta seja derrotada com os votos contra de muitos no Partido Republicano e de todo o Partido Democrata.
"Eu ganharia essa votação em dois segundos", disse Trump. "Então, faça-o", desafiou Pelosi. Mas Trump não vai fazê-lo porque, diz, são precisos 60 votos no Senado para confirmar a proposta e o Partido Republicano só tem 51 senadores.
Chegados a este impasse, restava a Trump e ao Partido Democrata uma última cartada: estará o Presidente assim tão decido a rejeitar um Orçamento sem verbas para o muro, discutido a 21 de Dezembro, que aceita provocar a paralisação do Governo americano a partir do último fim-de-semana antes do Natal?
"Eu aceito vestir o manto do shutdown e não vou culpar-vos por isso. Vou paralisar [o Governo] para lutar por mais segurança na fronteira", disse Trump. A resposta chegou sem rodeios perante milhões de espectadores, e Chuck Schumer e Nancy Pelosi gostaram de a ouvir — historicamente, quem provoca um shutdown acaba por ser penalizado pela opinião pública.
Para Trump, esta podia ser a única saída — com a garantia de que não vai ter verba para o muro, resta-lhe provar à sua base de apoio que está disposto a lutar até ao fim pela sua proposta mais emblemática. E foi isso que deu a entender no final da reunião: "Se tivermos de paralisar o país por causa da segurança na fronteira, essa é uma discussão política de que eu gosto. E acho que ganho sempre essa discussão", disse.
Com um resto de mandato mais na defensiva, por causa da maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes e das investigações sobre a Rússia, o Presidente norte-americano luta por uma grande vitória política nos próximos dias. E tem os seus apoiantes à espreita: "É agora, ou nunca", disse ao The New York Times RJ Hauman, da Federação para a Reforma da Imigração. "Seria uma derrota se Trump não cerrasse fileiras para cumprir a sua principal promessa de campanha."