Cruz Vermelha não recebeu auditoria que IGF deixou na gaveta

Instituição diz que “factos relatados” não são imputáveis à actual direcção e defende que é preciso apurar as responsabilidades.

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A CVP tem 148 delegações locais, dez centros humanitários e oito organismos autónomos JH JOAO HENRIQUES

A Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) garante nunca ter recebido o relatório final da auditoria realizada em 2016 pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF). Tal como o PÚBLICO escreve hoje, os problemas identificados nessa fiscalização foram mantidos na gaveta pela IGF, algo que é confirmado quando a CVP diz não ter recebido sequer as conclusões para contraditório.

Tanto a IGF como a Cruz Vermelha foram alvo de buscas na terça-feira.

Num comunicado com três pontos, a instituição humanitária começa por afirmar: “Em 2016 a Cruz Vermelha Portuguesa foi auditada pela Inspecção-geral das Finanças, mas não recebeu o relatório final da referida auditoria, não tendo, por isso, havido contraditório”. Um facto que está a ser investigado pelo Ministério Público num inquérito, ainda sem arguidos, por suspeitas de corrupção passiva, peculato e abuso de poder, crimes que os investigadores consideram poder ser imputáveis indiciariamente a altos responsáveis de serviços centrais da máquina do Estado.

Os factos auditados pela IGF e por esta mantidos na gaveta são anteriores à actual direcção da Cruz Vermelha, liderada por Francisco George, que só assumiu o lugar há cerca de um ano. A acção de controlo centrou-se nos anos de 2013, 2014 e 2015, mas algumas das falhas identificadas já existiriam antes.

No comunicado, George afirma: “Apesar dos factos relatados não serem da responsabilidade da actual direcção, insiste-se na importância em tudo clarificar, apurar responsabilidades e intensificar todos os dispositivos de transparência de forma a assegurar a manutenção da confiança na Cruz Vermelha Portuguesa”.

A própria CVP diz que, a ter existido o contraditório, tal como a lei determina, “teria havido oportunidade em repor a verdade e apresentar explicações”. A CVP refere-se ao fato de ter sido noticiado por alguns meios de comunicação social o que define como um “fantasioso depósito bancário citado ou a razão pela qual a comunicação à Plataforma da Presidência do Conselho de Ministros não foi realizada”.

O PÚBLICO escreveu hoje que o relatório proposto pelos inspectores – não aprovado então por Vítor Braz – referia que esse documento deveria ser remetido não apenas ao ministro das Finanças e outros governantes, mas também à própria CVP (para o contraditório) e à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros e ao Tribunal de Contas.

A auditoria aponta para “graves deficiências” na gestão da CVP, a começar pelo facto de a instituição humanitária não estar – na altura da auditoria – a apresentar declarações a entidades externas, incluindo o fisco.

A CVP está sediada em Lisboa e espalhada por todo o país, com 148 delegações locais, dez centros humanitários e oito organismos autónomos.

Sendo uma “pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa, sem fins lucrativos”, a CVP detém três entidades com fins lucrativos, das quais é na prática a “empresa-mãe”: controla a maioria do capital (54,97%) da Sociedade Gestora do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (estando o restante capital nas mãos do Estado através da Parpública), detém a Parfisi — Gabinete de Reabilitação Física e, com a Santa Casa da Misericórdia de Estremoz, a Clínica Social Rainha Santa Isabel.

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