A arte e a cultura são as armas de Asma para combater o radicalismo islâmico
Asma Kaouech é uma activista tunisina e o trabalho que desenvolve junto de jovens em risco de radicalização pode ter um forte impacto dentro e fora do seu país. Em 2017, recebeu a Bolsa Sakharov para participar no último programa de capacitação na área dos direitos humanos promovido pelo Parlamento Europeu.
Usar a arte e a cultura para travar o avanço do radicalismo islâmico: é esta a estratégia da jovem tunisina Asma Kaouech para envolver jovens marginalizados, pela pobreza e pela interioridade, na vida cívica de um país ainda em democratização após a revolta popular que ditou o fim da ditadura de Zine el-Abidine Ben Ali em 2011.
O seu trabalho como directora executiva da organização não-governamental (ONG) Fanni Raghman Anni – que à letra significa “A minha arte apesar de mim” – já a levou às aldeias mais recônditas e aos bairros mais problemáticos da periferia da capital tunisina. “A nossa principal missão é defender os direitos humanos e os valores da cidadania, através de formas inovadoras e alternativas”, descreve Asma. O que basicamente implica usar a performance, o teatro de rua, a música ou as artes plásticas para encorajar a criatividade e o pensamento crítico. O alvo está escolhido. São jovens em risco de radicalização para que, ao invés de aderirem a grupos extremistas violentos, possam antes ser promotores e valores cívicos e democráticos junto das suas comunidades.
O projecto, apoiado financeiramente pela União Europeia e pelas Nações Unidas, permitiu até agora a organização de dez acampamentos de arte e juventude, envolvendo cerca de 400 jovens, onde a par de aulas de pintura ou teatro, são dinamizados workshops sobre direitos humanos, cidadania ou o estado de direito. No final, cada participante é chamado a conceber uma performance ou um trabalho artístico que reflicta o seu percurso pessoal e a sua visão do extremismo violento.
São iniciativas que podem fazer a diferença e ter um efeito multiplicador num país onde a crise económica voltou a provocar manifestações, em Janeiro deste ano, e onde a taxa de desemprego entre jovens com curso superior ascende a 30%, sendo mais alta ainda em zonas do interior.
Por outro lado, e apesar de ter sido alvo de violentos ataques terroristas desde 2015, a Tunísia é também o país de onde saíram mais pessoas para engrossar as fileiras do Estado Islâmico. “Temos mais de 6000 jovens tunisinos que são jihadistas no exterior recrutados pelo ISIS”, nota também Asma. “E o governo não tem nenhuma estratégia ou política clara” para lidar com o seu eventual regresso. O trabalho desta ONG visa então preencher esse vazio “e reforçar a resiliência das comunidades”, tornando-as menos receptivas a uma retórica extremista.
“Era a altura de assumir a responsabilidade”
Apesar de ter apenas 26 anos, Asma colabora com a associação desde a sua fundação como movimento cultural e artístico há sete anos. E para esta jovem jurista, o activismo não foi uma escolha. “Acho que preferia ter sido bailarina, era mais fácil”, brinca. Mas quando a revolução eclodiu em 2011, “nós, os jovens, sentimos que esta era a altura de assumir a responsabilidade”.
A ONG Fanni Raghman Anni tem ainda dinamizado produções artísticas de música e teatro por toda a Tunísia sempre com os direitos humanos como mote e a criatividade como estratégia. Os seus associados têm também colaborado em projectos de ajuda humanitária em campos de refugiados no Líbano, Turquia e Jordânia.
Mas o futuro traz novos desafios. O regresso à vida política de alguns membros do antigo governo de Ben Ali ou o avanço de partidos islamistas, “que não respeitam os valores democráticos, mesmo que digam que sim”, não deixam Asma dormir descansada. Por outro lado, alerta a activista, o governo tunisino tem usado a burocracia e a aplicação de taxas administrativas para “reduzir a liberdade de expressão da sociedade civil tunisina” e limitar a capacidade de decisão dos seus dirigentes. “Se eu não pagar a taxa, posso ir parar à cadeia por um ano”, ilustra Asma.
O papel da Europa
Em 2017, Asma foi escolhida entre mais de mil candidatos, para receber a Bolsa Sakharov e participar num programa de capacitação de activistas promovido pelo Parlamento Europeu. Da experiência enquanto bolseira, realça a oportunidade de conhecer e influenciar a visão de decisores europeus, mas também de contactar com activistas de todo o mundo. “É uma oportunidade para os defensores de direitos humanos de todo o mundo partilharem a sua experiência a nível europeu e foi o que eu fiz,”, explica.
O que poderia a União Europeia fazer mais para apoiar projectos e organizações como esta? “Conseguimos trabalhar sem o apoio financeiro da União Europeia (UE)”, esclarece, desde logo. O que pode fazer a diferença, realça, é a capacidade de a Europa colocar temas na agenda e fazer com que os decisores ouçam a mensagem. “Se a UE organizar uma conferência na Tunísia sobre combate à corrupção e convidar o primeiro-ministro, ele vai estar presente. Mas se formos nós a organizá-la, ele não comparece”, exemplifica.
Asma insta ainda a UE a criar mecanismos de responsabilização de governos e partidos políticos, nomeadamente na área cultural, assim como a desenvolver projectos que potenciem a troca de experiências e boas práticas entre ONG a trabalhar na área dos direitos humanos. “Podem ser iniciativas simples, mas sustentam a mudança de forma profunda”, garante.
“Começámos a revolução e vamos continuá-la”
Do seu lado, o empenho está assegurado. E Asma é apenas uma activista num país que conta com mais de 10 000 ONG. “Temos uma sociedade civil das mais fortes do mundo”, diz, orgulhosa. Essa mesma sociedade civil que, através de quatro organizações, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2015 pelo seu papel na transição democrática do país.
E uma coisa parece certa: a Tunísia não irá regredir para uma situação semelhante à do anterior regime liderado por Ben Ali que se arrastou por 23 anos. “As pessoas agora têm consciência dos seus direitos”, justifica Asma. “E há outra coisa muito importante: liberdade de expressão”, nota ainda. Seja através dos meios de comunicação tradicionais ou das redes sociais, de onde partiu o primeiro grito de revolta em 2011, a corrupção e a injustiça não ficarão na sombra. “Há muitas formas, hoje em dia, de continuar esta luta”. E promete: “Somos a nova geração da Tunísia. Começámos a revolução e vamos continuá-la.”