O pinhão português é um tesouro mas é tratado como se fosse lixo

Temos o direito de saber a procedência e o ano da colheita. Temos o direito de provar primeiro e de rejeitar o pinhão rançoso, seco ou com sabor a mofo. Temos o direito de exigir, pelo preço que pagamos, que o pinhão seja nacional e novo.

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Nelson Garrido

Estava eu num plangente queixume sobre a incerteza das origens e a qualidade dos pinhões que se compram em Portugal quando incidiram sobre mim dois raios de luz: a marca Emílio Vilar e a marca Pinheiro da empresa Cecílio.

O pinhão que se compra para aí, a granel ou mal rotulado, até pode ser português mas não vale a pena arriscar, até porque os preços são sempre altos, precisamente para dar a impressão que se trata de pinhões nacionais.

A verdade é que também há pinhão nacional que não presta, assim como há um parque natural italiano onde o pinhão é exímio. Não é verdade que o pinhão português seja o melhor do mundo. Quem sabe se o Líbano ou o Irão têm melhor? Mas o pinhão português é seguramente o pinhão ao nosso alcance que tem a maior qualidade. Não é pouco.

O miolo de pinhão é um luxo e é como um luxo que deve ser tratado. É caro porque dá muito trabalho e é muito procurado. Mas uma vez que se comece a comer, parece barato: são muitos os pinhões que se compram com uma nota de dez euros. E em Janeiro haverá pinhão novo e é novo que é mais delicioso, ainda a saber e a cheirar a pinha.

O pinhão que se pode comprar hoje é o do Inverno passado. Cada colheita é obviamente diferente mas o pinhão de 2019, segundo as pessoas que sabem, será melhor do que o de 2018.

Experimente guardar uns pinhões de 2018 para compará-los com os pinhões do ano novo. Verá que, como todos os frutos secos e gordos ("ricos em óleo" é a maneira possidónia de dizer), o pinhão cria ranço porque não há gordura que não azede.

Este ranço até pode ser agradável (até por estarmos habituados a ele) mas a ausência de qualquer ranço é muito mais agradável. Como comemos menos nozes e avelãs do que pinhões, somos muito mais sensíveis ao ranço nas avelãs e nozes: cuspimos e fazemos caretas.

Por causa das aldrabices e das manobras comerciais, estou convencido que a vasta maioria de portugueses não come bons e novos pinhões portugueses há décadas. Temos o gosto viciado por falsificações e trocas de lebres por gatos.

Incluo-me nessa multidão desgraçada, apesar de essa condição proporcionar uma saída airosa e aprazível: começar a comer pinhões bons como se fosse a primeira vez na nossa vida.

As duas marcas pelas quais ponho as mãos no fogo são a Pinheiro, da Cecílio, e a Emílio Vilar. São 100% pinhão português apanhado e tratado com o maior cuidado. Não é preciso ser-se romântico para perceber que estes pinhões passaram pelos mesmos dias de frio, chuva e calor do que nós. O terroir deles é o nosso. Os pinheiros onde nasceram são aqueles que podemos ver nas nossas estradas.

Contacte as empresas para saber quando é que se poderá comprar pinhões da nova colheita. Depois provem-se lado a lado. Ver-se-á que as colheitas e as idades são importantes. Os mais novos são mais frescos mas também mais vegetais.

Assar pinhões no forno é fácil e torna-os ainda mais saborosos. Basta espalhá-los num tabuleiro com flor de sal e enfiá-los no forno com 180 graus (160 com ventoinha). É preciso estar sempre de olho neles porque nasceram para se queimarem. Abra a porta do forno de minuto a minuto: o ar frio ajudará a suavizar a assadura. Agite-os violentamente.

Não faça mais nada senão vigiar os pinhões. Não se deixe cair na tentação de fazer outra tarefa enquanto espera. A única maneira de impedir os pinhões de queimar é estar absolutamente atento e cheio de medo.

Os espanhóis fritam-nos com ou sem azeite, mas assim perdem muito o sabor a pinhão. Também acho um desperdício usar bons pinhões para fazer pestos e pratos mediterrânicos vários, à mistura com passas e orégãos.

O pinhão é um tesouro e é como um tesouro que merece ser tratado.

Temos o direito de saber - no mínimo - a procedência e o ano da colheita. Temos o direito de provar primeiro e de rejeitar o pinhão rançoso, seco ou com sabor a mofo. Temos o direito de exigir, pelo preço que pagamos, que o pinhão seja nacional e novo.

E é assim que nos podemos reapaixonar pelo nosso pinhão.

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