Rede criminosa conseguiu aprovar 20 milhões em fundos comunitários
Vice-presidente da Câmara de Santo Tirso é suspeito de favorecer empresa. Falhas na fiscalização de fundos europeus terão permitido a fraude.
Uma associação criminosa, liderada por um empresário natural de Santo Tirso e residente em Famalicão, terá conseguido que várias instituições públicas aprovassem apoios no valor global de 20 milhões de euros em fundos comunitários, 2,7 milhões dos quais já foram efectivamente pagos. O empresário, a mulher e o pai, mais dois testas-de-ferro foram detidos esta quarta-feira pela Polícia Judiciária no âmbito da Operação Dennis e deverão ser presentes esta quinta-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa.
Há pelo menos mais dois arguidos, o vice-presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso e uma chefe de divisão da autarquia, que são suspeitos de participação económica em negócio e recebimento indevido de vantagem, num episódio lateral da investigação.
No centro do inquérito está a fraude na obtenção de subsídios, através do recurso a um esquema que implicava a criação de empresas fantasmas, algumas dirigidas por testas-de-ferro, que se candidatavam aos fundos e de outras que apenas emitiam facturas e recibos, que serviam para comprovar documentalmente a utilização dos apoios comunitários. Tal, contudo, não passariam de operações fictícias, sem qualquer suporte real, que só serviriam para enriquecer os suspeitos. “Praticamente não há fiscalização física do uso destes fundos. Tudo é comprovado de forma documental”, nota um dos responsáveis pela investigação.
Das três sociedades que se candidataram a 35 milhões de euros para apoiarem a respectiva internacionalização ou para modernizarem a sua indústria só uma tinha existência real. Mesmo assim, as três conseguiram que o Estado lhes aprovasse apoios no valor global de 20 milhões de euros.
O inquérito corre no Departamento Central de Investigação e Acção Penal e a investigação está a cargo da PJ, que conta com o apoio da Direcção de Finanças do Porto. Foi, aliás, uma inspecção da Autoridade Tributária, centrada na suspeita de emissão de facturas falsas, que esteve na base desta investigação.
No decurso do inquérito, a PJ detectou um alegado favorecimento por parte da Câmara de Santo Tirso a uma sociedade do empresário que encabeçará a associação criminosa. Em causa está a compra de uma viatura eléctrica de recolha de lixo, que terá custado cerca de 40 mil euros aos cofres do município, e que a tal sociedade importou de Itália. A compra foi autorizado pelo vice-presidente da câmara e intermediada pela chefe de divisão, que curiosamente usava uma viatura de uma rent-a-car detida pelo empresário de Santo Tirso.
De acordo com uma nota informativa da Procuradoria-Geral da República, o recurso a facturas fictícias servia igualmente para aumentar de forma substancial o valor do IVA a receber do Estado e evidenciar um volume de negócios que não correspondia ao real. “Relativamente ao IVA e IRC, com o circuito fechado de facturação presumivelmente fictícia, este grupo de sociedades terá obtido um crédito fiscal de cerca de um milhão e novecentos mil euros”, contabilizam o Ministério Público e a PJ, em comunicado.
Na operação, que envolveu cerca de 100 elementos, foram apreendidos automóveis, equipamentos informáticos e telemóveis, além de variada documentação contabilística e fiscal.