Bombeiros em guerra com o Governo
Mourato Nunes diz que sem informação "não poderá ser garantida a função básica do sistema de protecção civil". Liga dos Bombeiros diz que ordens do presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil devem "ser ignoradas".
Depois de manifestações, de deliberações e de avisos, os bombeiros tomaram no sábado uma posição de força, inédita e para muitos ilegal, para forçarem o Governo a negociar alterações à legislação sobre a Protecção Civil. Desde a meia-noite que bombeiros terão deixado de enviar informação operacional aos Centros Distritais de Operação de Socorro (CDOS). A situação extrema obrigou o ministro Eduardo Cabrita a vir a campo. Dará esta manhã de domingo, às 11h30, uma conferência de imprensa na Autoridade Nacional de Protecção Civil.
A Liga decidiu ontem que os bombeiros iriam deixar de passar informações operacionais aos CDOS, o que levou o presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, o tenente-general Mourato Nunes, a lembrar os bombeiros das suas obrigações legais.
Numa carta enviada aos comandantes distritais, que por sua vez a fizeram chegar aos corpos de bombeiros do seu distrito, Mourato Nunes lembrava as regras do Sistema de Gestão de Operações e terminava a carta a dizer que "na eventual ausência de informação operacional nas Salas de Operações dos Comandos Distritais e do Comando Nacional da Autoridade Nacional de Protecção Civil, não poderá ser garantida a função básica do sistema de protecção civil e que se traduz na protecção dos cidadãos, do património e do ambiente", lê-se a carta a que o PÚBLICO acedeu.
Em resposta, ainda durante esta noite, a Liga enviou de novo um ofício aos bombeiros onde reafirmava a decisão "apesar das ameaças proferidas" por Mourato Nunes. Diz o documento a que o PÚBLICO teve acesso que os "despachos do presidente da ANPC não têm qualquer sustentação legal e como tal devem ser totalmente ignorados", lê-se no ofício. Além disso, a Liga repete que os bombeiros devem continuar a levar por diante a decisão da Liga de não fornecerem informações aos CDOS e que "a Liga assumirá integralmente a responsabilidade destas decisões".
Em causa nesta guerra entre a Liga dos bombeiros e o Governo está a alteração à lei orgânica da Protecção Civil. A lei foi aprovada na generalidade em Conselho de Ministros no dia 25 de Outubro e ainda não viu a luz do dia. O prazo para as várias entidades se pronunciarem terminou no dia 21 de Novembro, mas até agora ainda não foi de novo aprovada pelo Governo.
Esta lei, tal como o PÚBLICO avançou em primeira mão, muda a estrutura de comando da renomeada Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), criando estruturas sub-regionais coincidentes com as comunidades intermunicipais e acabando com as actuais estruturas distritais (os CDOS). Além disso, a legislação prevê que os bombeiros deixem de participar no ataque inicial a incêndios florestais, ficando essa tarefa entregue aos GIPS da GNR.
Perante estas alterações, já houve algumas tomadas de posição dos bombeiros. Além de manifestações, a Liga dos Bombeiros Portugueses decidiu no sábado "abandonar de imediato" a estrutura da ANPC, um "corte radical" de protesto contra os diplomas do Governo. Jaime Marta Soares disse que os bombeiros iam deixar de participar na estrutura da ANPC, "não ouvindo nada do que dizem os CODIS (comandantes distritais operacionais)", bem como em todos os eventos em que estejam representantes desta entidade ou membros do Governo, podendo mesmo "não participar no dispositivo dos incêndios florestais".
Mais tarde, numa deliberação que a Liga fez chegar aos corpos de bombeiros, a direcção da Liga anunciava que estava suspensa "toda a informação operacional aos respectivos CDOS" a partir da meia-noite deste domingo. A Liga solicitava que "todos mas mesmo todos assumam cumprir a decisão tomada".
O aviso para que todos o façam é claro, até porque há entre os bombeiros quem lembre que esta é uma decisão ilegal. Isto porque, o Sistema de Gestão de Operações implica que a passagem de dados aos comandos distritais é uma obrigação de todos os que assumam, quando chegam a uma ocorrência, o papel de comando de operação de socorro. Terá sido este aviso que o presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, o tenente-general Mourato Nunes, fez chegar aos corpos de bombeiros e que a Liga diz para ser ignorado.
A Liga reivindica uma direcção nacional "autónoma, independente e com orçamento próprio" nesta mudança da lei, que demora em ser aprovada.
Mas não é a única entidade a criticar as mudanças legislativas. O Observatório de Técnicos Independentes, a estrutura criada no Parlamento para avaliar a gestão dos incêndios florestais, deixou avisos sobre esta alteração à lei. Defendiam os técnicos que se acontecessem "restruturações" que era necessário considerar como "da maior importância a garantia da coerência da organização territorial de todas as entidades, instituições e instrumentos inseridos ou relacionados com o sistema".
Também os autarcas estão contra esta medida. A Associação Nacional dos Municípios Portugueses aprovou um parecer com dúvidas sobre esta nova organização da Protecção Civil.
Perante tantos pareceres contra a medida, ainda não se sabe o que fará o ministro Eduardo Cabrita. A lei ainda não foi de novo a Conselho de Ministros. Contudo, esta manhã, o governante marcou uma conferência de imprensa na sede da ANPC.