Justiça quer negociar com guardas prisionais, mas decisão final cabe às Finanças
Governo está disponível para negociar com os sindicatos. Mas estes dizem que não são levados a sério. Há greve até depois Natal. Nas prisões não faltam queixas de reclusos.
O Ministério da Justiça (MJ) mantém a disponibilidade e “a vontade para trabalhar” no sentido de alcançar um acordo com os sindicatos dos guardas prisionais, que marcaram greves até depois do Natal, porque dizem não ver resultados nas negociações com o Governo sobre o estatuto profissional dos guardas e outras questões, como os turnos de serviço.
Em respostas enviadas ao PÚBLICO, o gabinete de imprensa do MJ lembra que o Grupo de Trabalho (que junta elementos do MJ, da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e representantes de todas as estruturas sindicais) se reuniu cinco vezes neste ano; acrescenta que em 22 de Novembro se realizou um encontro entre a secretária de Estado Adjunta e da Justiça e as estruturas sindicais – no qual foi exposto até onde poderia ir um acordo – e que uma nova reunião ficou marcada para 13 de Dezembro.
O MJ mantém a disponibilidade para rever aspectos pontuais do estatuto, como os relacionados com a actualização dos vencimentos por equiparação à PSP e com a eventual introdução de uma norma que admita outro tipo de horários que não os contemplados actualmente. Mas, nota, “qualquer proposta” de acordo a alcançar “teria que obter o parecer favorável do Ministério da Finanças”. Desmente no entanto que tenha remetido "aos sindicatos qualquer projecto de revisão do Estatuto de Pessoal do Corpo da Guarda Prisional".
O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), Jorge Alves, acusou o Governo de não levar a sério os guardas prisionais já que esteve vários meses a negociar a revisão do estatuto da classe e na última reunião, em final de Novembro, informou-os de que, afinal, não pretendia rever esse diploma. Os guardas exigem, por exemplo, que os seus vencimentos, que são equiparados aos da PSP, acompanhem os escalões adoptados por aquela polícia.
Queixam-se ainda de não saberem se e como as progressões serão descongeladas nas suas carreiras. Este sindicato mantém o movimento de protesto e tem mais 18 dias de greve marcados, em três períodos, até à antevéspera de Natal. O Sindicato Independente do Corpo da Guarda Prisional marcou greve entre 15 deste mês e 6 de Janeiro.
Nesta quinta-feira à noite, os guardas estiveram em vigília, em frente ao Palácio de Belém, em Lisboa. Pedem a intervenção do Presidente da República.
Reclusos protestam
Ao descontentamento dos guardas, junta-se uma tentativa por parte dos presos de fazer ouvir a sua voz. Devido aos constrangimentos impostos pela greve, um grupo de reclusos no Estabelecimento Prisional (EP) de Lisboa revoltou-se na terça-feira por saber com apenas algumas horas de antecedência que a visita do dia seguinte não se realizaria. Houve gritos, material partido, caixotes e colchões queimados.
A esse motim, seguiram-se outras formas de protesto, na prisão de Custóias e Santa Cruz do Bispo, onde os presos recusaram tomar as refeições. Os reclusos do EP da Covilhã exigiram falar com a directora pedindo explicações pelo facto de não poderem telefonar às famílias também devido a restrições impostas pela greve dos guardas.
Mas nas cadeias portuguesas há mais protestos pontuais do que aqueles que são conhecidos.
No dia 16 de Outubro, um recluso da prisão de Vale de Judeus pegou fogo à sua cela. Esse protesto feito em nome próprio não teve qualquer repercussão. Não foi notícia. Aconteceu porque não o levaram a visitar a mãe que está num lar, como ele pensava que iria acontecer. “O indivíduo não tem ninguém para o levar. E não querem gastar combustível com ele. Os guardas não podem ou não querem ir”, contou ao PÚBLICO um preso de Vale de Judeus.
“Neste relacionamento, há uma forma de rebaixar, de anular a pessoa”, diz, pelo telefone, um dos 500 reclusos deste estabelecimento prisional de Alcoentre. Sabe que se for apanhado é castigado, como já aconteceu com outros.
Sobrelotação
Como este protesto localizado, há muitos, diz. Mas ficam entre muros. Os episódios são conhecidos das famílias, que têm medo de falar por medo de represálias sobre os presos, explicou ao PÚBLICO a mãe de um jovem recluso que até há pouco tempo esteve no EP de Lisboa. Sempre que podia, ia à visita. E saía quase sempre em lágrimas.
Para tratar o filho todo picado das pulgas, pediu ajuda. E quando o filho lhe aparecia com marcas de agressões, arranjava forma de fazer ouvir a sua preocupação. Aos técnicos, educadores, até aos guardas desta prisão que em Dezembro de 2017 estava sobrelotada – para 887 vagas, havia 985 reclusos.
No total das prisões, nessa data, havia mais 746 reclusos do que o sistema prevê comportar. A diferença era, então, de 13.440 presos para 12.694 vagas. Entre as mais sobrelotadas, estavam algumas das cadeias de complexidade de "grau elevado", como são classificadas. Por exemplo Caxias, Coimbra, Estabelecimento Prisional do Porto (EPP) ou Santa Cruz do Bispo (Matosinhos), no lado masculino.
Quase um ano depois, a 1 de Dezembro deste ano, e segundo dados oficiais, a população prisional tinha baixado para 12.944 (mesmo assim mais do que as vagas existentes).
A tensão é latente
A sobrelotação das prisões soma-se a outros problemas que ficam realçados pelos protestos desta semana. A tensão é latente. “Há guardas que tiveram uma formação seja intelectual, seja humana. O seu espírito humano fala mais alto. E depois há os brutos. Vê-se por exemplo na brutalidade com que fecham as portas ou o fazem de propósito quando os indivíduos já estão a dormir”, conta o recluso de Vale de Judeus.
O padre João Pedro Nogueira, capelão do EP de Lisboa conta que “é na eucaristia que eles ficam muito sensíveis aos que estão fora, às famílias, àqueles que morreram.” E acrescenta: “Alguns chegam a rezar pelos colegas e por todos os que trabalham naquela casa na cadeia, incluindo os guardas.”
O acesso a telemóveis é interdito, como quase tudo numa prisão. Mas há quem, dos vários estabelecimentos prisionais do país tente explicar o que se passa. Por carta, por mensagens, por email através de telemóveis.
Essas mensagens seguem frequentemente para vários destinatários. Nenhum ou quase nenhum responde: grupos parlamentares da Assembleia, ministros, associações, Presidente da República. Há menos de dois meses, um grupo de reclusos pediu a Marcelo Rebelo de Sousa para visitar a prisão de onde escreviam. Mas depressa desistiram. O que queriam era que os representantes do Estado e dos órgãos de soberania visitassem a prisão como ela é na sua realidade do dia-a-dia e isso seria impossível.
Na realidade, dizem, a limpeza feita não afasta os ratos, a comida chega a ser servida crua, as camas onde se deitam não têm lençóis e os colchões são húmidos; nem sempre há água, e quando alguém reclama, muitas vezes, tem um castigo. “As prisões em vez de tentarem reeducar o indivíduo, fazem-no entrar num ciclo”, diz o recluso de Vale de Judeus. “Fazem com que o indivíduo fique revoltado.”