Todos os dias podemos ver nas redes sociais, televisões e rádios vários debates e colóquios sobre a interioridade e a coesão territorial, como se existissem portugueses do interior e do litoral. Mas querem saber? Existem mesmo portugueses do interior e do litoral. Isto porque todos partilhamos o mesmo sistema fiscal ou de contribuição e nem todos temos o mesmo acesso a cuidados de saúde, justiça e em certos casos a um sistema de educação próximo, universal e gratuito.
Algo tem de mudar, algo tem de ser alterado. Não digo que nós — portugueses do interior — devemos realizar manifestações, mas a verdade é que a actual estratégia não está a funcionar e cada vez mais vemos que estações de correios ou serviços bancários estão a encerrar. A desculpa — ou melhor — a estratégia comercial das empresas dos referidos serviços trata os clientes com diferenciação, o que não é saudável para qualquer família ou investidor que tem toda a sua vida no interior. Quem quer morar num local que não tem centro de saúde ou escola?
O Estado e as empresas desculpam-se com a diminuição da população nos concelhos do interior ou mesmo com a digitalização de serviços, mas deixo somente a seguinte questão: como funcionam estes serviços em Espanha? Quem tem a hipótese de se deslocar às aldeias e vilas espanholas transfronteiriças verifica imediatamente serviços de protecção civil, saúde, bancos, correios e uma vasta actividade económica. É certo que são zonas com uma maior densidade populacional, mas também é igualmente verdade que não perderam investimento privado e nem o Estado se desvinculou das funções mais básicas da democracia de proximidade.
Todos os dias vemos nas notícias mais um investimento no litoral, nomeadamente em Lisboa ou no Porto, mas então e no litoral da Europa? Portugal tem um mercado potencial nas zonas transfronteiriças que não opera em massa. Vemos quase semanalmente notícias de acordos transfronteiriços, mas a verdade é que já passou praticamente uma década de reuniões, encontros e colóquios ibéricos e não vemos um sistema entre municípios portugueses, ayuntamientos espanhóis ou comunidades autónomas espanholas que se repercuta num verdadeiro acordo político que preencha a esfera da economia e até mesmo de serviços públicos. Porque é que não começamos a debater a nível ibérico — e europeu também — um serviço comum transfronteiriço que permita o acesso a vários serviços públicos, investimento na ferrovia, estradas e simultaneamente acordos fiscais e comerciais para as empresas e jovens que se queiram localizar nestas zonas?
Os municípios e comunidades intermunicipais não podem ficar contentes somente por realizarem encontros temáticos que têm impacto num só dia. É preciso envolver as empresas locais e facilitar as trocas comerciais: só desta forma teremos futuro para a nossa região. O interior de Portugal é o litoral da Europa, mas a maré está baixa e de momento ninguém aproveita para realizar um mergulho num projecto de coesão económico-social. O interior de Portugal é o litoral da Europa e o futuro está mesmo aqui ao lado. Nós, os portugueses do interior, também estamos no litoral.