Uma nova Declaração Universal dos Direitos Humanos?

São notórios os perigos que espreitam, questionando-se até à exaustão a real universalidade dos direitos humanos.

A efeméride do 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um motivo de festa para a Humanidade e para Portugal.

Um singelo texto marcou uma coperniciana viragem na dignidade da pessoa humana, resgatando-a do arbítrio dos Estados e alcandorando-a à universalidade e à indisponibilidade que só o Direito Internacional Público pode garantir.

E prova óbvia dessa excelência – se outras não houvesse – foi o facto de nem mesmo os Estados mais radicais nos seus fundamentalismos ideológicos ou religiosos se terem atrevido a votar contra a sua aprovação, quedando-se por uma ambígua – e sobretudo amarga e contrariada – abstenção...

A partir de 10 de dezembro de 1948, a afirmação dos direitos humanos foi um “rio” cujo “caudal” nunca parou de crescer tanto no número e qualidade de direitos positivados como nos mecanismos destinados a dar-lhes a maior efetividade possível contra violações perpetradas pelos Estados.

Sendo bem evidente tudo o que de bom se alcançou com o movimento da proteção dos direitos humanos, não deixa de ser pertinente fazer o ponto de situação a respeito da sua evolução, tomando por referência aquela declaração.

É inquestionável que em muitos aspetos a amplitude dos direitos humanos nela previstos foi superada por novas necessidades de defesa da pessoa humana, não só em contexto de Estado Social (que, entretanto, se propagou), mas essencialmente no ambiente de uma globalização digital que expôs, de um modo claro, as contradições de um sistema capitalista que carece de regulação internacional.

Hoje é bem mais rico o elenco dos direitos humanos previstos, da 3.ª à 5.ª geração, ali não consagrados, além de aquela declaração ser omissa nos meios de operacionalização da sua aplicação.

Não pode por isso ser descabido pensar na viabilidade de uma nova Declaração Universal dos Direitos Humanos de superação da dicotomia entre o 1.º e o 2.º mundo então prevalecente, com a aceitação de novos direitos, após um tempo em que o discurso dos direitos humanos deixou de ser “ocidentalista” para se enraizar num universalismo indubitável, assim se tornando progressivamente consensual.

Quer isto dizer que os 70 anos da DUDH são uma oportunidade de ouro para se reforçar essa conceção cosmopolita dos direitos humanos, enriquecendo-a com aquilo que nela não foi na altura incluído, na organização dos sistemas políticos – com a democracia a tornar-se inequívoca em contraposição às antigas democracias populares – ou nos ganhos necessários em setores mais sofisticados do bem-estar coletivo e na heterogeneidade social que tem marcado os tempos recentes das comunidades políticas, através dos direitos das minorias e das novas pontes que se constroem com os mais periféricos grupos de pessoas em razão da sua condição económica, social ou cultural.

O mais impressionante da proteção dos direitos humanos – e que não para de nos surpreender – é a sua potencial expansibilidade frente aos novos desafios que se colocam à ação dos Estados, não parecendo que neste ponto a história tivesse terminado, mormente quando se pensava que nada mais haveria a descobrir.

Mesmo acusando o tempo histórico em que foi redigida, a DUDH bem se pode mostrar como o “depósito da fé” inquebrantável numa Filosofia humanista que jamais deixará que o ser humano seja instrumentalizado à historicidade concreta dos diversos lugares temporais e espaciais que nunca ensombrarão a luminosidade de uma conquista universal, ainda que erguida sobre os escombros da crueldade humana que ensanguentou o Mundo durante a II Guerra Mundial.

Todavia, são notórios os perigos que espreitam, perigos subtis que tomam o nome da autonomia cultural de certas regiões ou da reivindicação terceiro-mundista contra o Ocidente, questionando-se até à exaustão a real universalidade dos direitos humanos.

Julgo que cabe aqui louvar o trabalho das Nações Unidas, e das suas agências especializadas, que têm percebido que os direitos humanos são também uma praxis, que só pode surtir efeito no mundo real com programas eficazes, numa visão em que a pessoa humana é encarada na sua interação com cada concreta organização político-económica.

Se há religião civil universal com mandamentos próprios, é bem provável que a DUDH seja uma séria candidata ao carácter sagrado de uma “revelação escrita” de uma “verdade” que coloca a pessoa humana no cume da atividade dos Estados e dos organismos internacionais. Professor catedrático de Direitos Humanos e advogado

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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