As duas faces do azoto
Sabia que respiramos 78% de azoto? No entanto, não o sentimos nem utilizamos. Só algumas bactérias o podem converter em formas químicas, disponíveis para as plantas, que depois transferem para os animais, sob a forma proteica. Durante milhares de anos a agricultura esteve dependente de bactérias presentes no solo. Há um século, o processo Haber-Bosch, de produção industrial de fertilizantes, foi o rastilho da chamada revolução verde que assegura, hoje em dia, a sobrevivência de metade da população humana. Apesar dos inúmeros benefícios do azoto (ou nitrogénio) para a segurança alimentar, a utilização dos fertilizantes e a queima dos combustíveis fósseis liberta formas reactivas de azoto. A resposta dos ecossistemas a este excesso de azoto é um processo complexo, mas de custo elevado, para o ambiente e saúde pública.
Ao contrário de muitos outros poluentes, o azoto pode mudar a fórmula química ao longo da sua passagem pelo ambiente. Ou seja, uma molécula pode produzir várias outras formas, que são reactivas, originando uma cascata de efeitos que se sentem ao nível dos ecossistemas: polui o ar, o solo e as águas, aumenta a emissão de gases com efeito de estufa, diminui a biodiversidade e afecta o funcionamento dos ecossistemas. São as duas faces do azoto: por um lado, é bom e necessário para nos permitir o acesso ao alimento, por outro, é mau quando em excesso.
Na Europa, 70% dos ecossistemas estão eutrofizados (excesso de azoto) devido à deposição seca e húmida de formas reactivas de azoto. Este problema é de tal modo grave que a Europa e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) desenvolveram políticas estratégicas para diminuir os riscos destes poluentes.
Dentro da sociedade, as alterações climáticas estão associadas à dependência energética, maioritariamente de combustíveis fósseis. Esquecem ou ignoram que, ao contrário do CO2, a emissão de formas reactivas de azoto proveniente das mesmas fontes, mas também dos fertilizantes, pecuária, detergentes, plásticos e fibras, tem repercussões não só no clima mas no ambiente global. As interdependências são tão complexas e dependentes de consumos diários (como alimento, roupa, limpeza e energia) que o cidadão assume a redução de energia como única e efectiva para os problemas decorrentes do aumento de gases com efeito de estufa. Mas o azoto é cada vez mais um problema que não pode ser menosprezado.
A sociedade necessita perceber que as escolhas de consumo e alimentação têm implicações para a sustentabilidade global. Ou seja, compreender como praticar hábitos de nitro-cidadania. E é isso que o projecto NitroPortugal procura fazer. Nos últimos três anos e na sequência de uma colaboração internacional muito frutuosa, estabelecida na última década, desenvolveu investigação para permitir a Portugal um melhor conhecimento sobre a realidade portuguesa em termos das emissões de formas reactivas de azoto. Como objectivos, procura chegar a diferentes níveis de responsabilidade: ao científico, com a caracterização das respostas dos ecossistemas mediterrânicos, ao poder político-decisor com soluções viáveis de redução a nível global, aos técnicos no terreno, com guia de boas práticas, e ao cidadão, com vídeos e histórias sobre as escolhas que se podem assumir para diminuir o problema a nível local.
Professora catedrática Universidade de Lisboa, presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia