Lourenço responde a Dos Santos: a Angola dos intocáveis "pertence à História"

Presidente de Angola não falou em nomes no discurso ao Comité Central do MPLA. Mas falou nos que se fazem de vítimas, nos "gananciosos", nos que querem a instabilidade e quem sabe a estejam a "financiar".

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João Lourenço, Presidente de Angola Rui Gaudencio

João Lourenço abriu a reunião extraordinária do Comité Central do MLPA nesta sexta-feira com uma mensagem dirigida aos “poucos privilegiados que mergulharam no pote de mel com insaciável apetite”. Não disse um único nome, mas o discurso nada teve de subtil — o presidente do partido no poder em Angola, que é também chefe de Estado, prometera responder às críticas que lhe foram feitas pela família Dos Santos quando estava em visita a Portugal. 

Duas linhas condutoras percorreram esta parte do discurso: as reformas que começou são “irreversíveis” e cabe ao partido ser o primeiro agente da campanha anti-corrupção, não abrindo excepções ou deixando ninguém cair em tentações. O MPLA, disse, tem que “fiscalizar as acções do presidente do partido, do Presidente da República e do Executivo”.

“Quando tivermos a coragem de assumir esta postura, o país sairá a ganhar, porque se o exemplo vier de nós, temos a certeza de que toda a sociedade nos seguirá”, disse Lourenço.

Na semana passada, mal o avião de João Lourenço levantou voo com destino a Lisboa, para uma visita de Estado de três dias, o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, reuniu os jornalistas para prestar esclarecimentos. O Presidente angolano, numa entrevista ao semanário Expresso, tecera críticas ao processo de passagem de testemunho e disse que encontrou os cofres vazios. “Não deixei os cofres do Estado vazios. Em Setembro de 2017, na passagem de testemunho, deixei 15 mil milhões de dólares no Banco Nacional de Angola como reservas internacionais líquidas a cargo do um gestor que era o governador do BNA sob orientação do Governo”, disse na sessão sem direito a perguntas.

No discurso desta sexta-feira ao Comité Central, Lourenço falou na vitimização dos que eram “intocáveis”.

“Neste combate contra a corrupção, aqueles que vêm perdendo privilégios auto-adquiridos ao longo dos anos deviam ter a sensatez e humildade de agradecer a este povo generoso por lhes ter dado essa possibilidade, e não se fazer de vítimas, porque a única vítima do seu comportamento ganacioso foi o povo angolano”, afirmou, citado pelo Novo Jornal. A Angola das “oportunidades restringidas a uns quantos indivíduos intocáveis, que tudo podiam, gente que se julga no direito de continuar a manter o estatuto indevidamente adquirido, pertence à História”. 

Coincidência ou não, o dia em que José Eduardo dos Santos quis passar a sua mensagem foi também o escolhido pela sua filha Isabel dos Santos — exonerada da administração da empresa petrolífera estatal Sonangol — para criticar as decisões e as reforças de Lourenço. No Twitter, escreveu que “a situação está a tornar-se cada vez mais tensa” em Angola, “com a possibilidade de se juntar à crise económica existente uma crise política profunda”.

João Lourenço também não mencionou o nome da empresária. “Só mesmo a falta de patriotismo pode levar um cidadão nacional a desencorajar o investimento privado estrangeiro no seu próprio país. Surpreende-nos o facto de cidadãos angolanos invocarem, quem sabe mesmo desejarem e até financiarem uma provável instabilidade política num país como Angola, já bastante martirizado por anos de conflito”, disse. 

A chegada de Lourenço à chefia do Estado e do partido significou o fim do domínio da família Dos Santos, que controlava as empresas económicas e financeiras estatais. Outro filho do ex-Presidente, José Filomeno, que era presidente de administração do Fundo Soberano de Angola, está preso preventivamente, acusado de associação criminosa, tráfico de influência, burla e branqueamento de capitais, tendo desencadeado o processo de transferência ilícita de 500 milhões de dólares. 

O tempo em que um clã dominava as fontes de riqueza do país, disse Lourenço, acabou. E, sublinhou, o MLPA deve ser o primeiro a levantar a voz sempre “que surjam sinais preocupantes de constituição de um império económico de uma família ou de uma pessoa, não importa quem, sobretudo quando são usados comprovadamente fundos públicos ou de empresas públicas que depois aparecem registados com privados”.

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