Câmara gasta 400 mil euros para evitar a queda de prédio em Quarteira
O edifício inclinou-se mais de 30 centímetros para a via pública, e poderia cair como um baralho de cartas.
O risco de derrocada de um prédio em Quarteira, assente sobre uma linha de água, obrigou a câmara de Loulé a intervir, substituindo-se ao empreiteiro, para evitar o colapso anunciado. O prédio Austral, de oito pisos, situado na rua da Alagoa, foi erguido por um construtor que estará na Austrália, com paradeiro desconhecido. Consolidar o bloco de apartamentos na posição em que se encontra — com um desvio superior a 30 centímetros, tombado para a via pública — vai custar cerca de 400 mil euros.
O presidente do município, Vítor Aleixo, justificou a posição da autarquia com o facto de ser ele, enquanto chefe do executivo, “o responsável pela Protecção Civil” e estar provado que, de facto, o edifício se encontra em perigo. “Tirava o sono a muita gente”, enfatizou. As obras de estabilização do edifício deverão arrancar dentro de três a quatro meses, prevendo-se que levarão seis meses a executar.
Através de um acordo assinado nesta terça-feira, no Centro Autárquico de Quarteira, entre a câmara e os condóminos, ficou estabelecido que a autarquia avança com o financiamento dos trabalhos e depois cada um dos proprietários pagará a parte que lhe cabe, sem juros, durante um período de 12 anos — o que dará, em média, cerca de 100 euros por mês por fracção. Quem se recusar a comparticipar — e há ainda dez proprietários que não assinaram o compromisso — fica sujeito, de acordo com o que ficou estabelecido entre as partes, ao pagamento coercivo acrescido de juros.
O construtor da obra, Valter Pinto, foi condenado pelo Tribunal de Loulé, em 2013, a oito anos de prisão efectiva por “burla e violação das regras de construção”. De acordo com a sentença, caberia também ao empreiteiro os custos da estabilização do imóvel, que continua a afundar-se. “Corre risco de colapso”, afirmaram os técnicos em sede de julgamento. Os bens do empreiteiro foram objecto de arresto mas, com o pagamento prioritário das dívidas ao fisco, não sobrou dinheiro para a reparação de uma obra mal construída de raiz.
Em 2010, um relatório pericial — produzido pela empresa JetSJ, contratada pelo município para avaliar o risco — anunciava perigo iminente: “Considera-se de extrema urgência que se tomem medidas de recalçamento e de reforço das fundações”, lê-se.
O projecto foi aprovado pela câmara de Loulé em 1996, numa altura em que a legislação não obrigava a estudos geotécnicos e geológicos, apesar do próprio nome da rua — Alagoa — sugerir que se trata de uma zona lagunar. O engenheiro director da obra, Paulo Martins, foi entretanto condenado a uma pena, suspensa, de quatro anos e meio de prisão, por não ter tomada as medidas preventivas que situação exigia, sabendo que estava a erguer um bloco em cima de lodo e areias.
Metade da espessura
De acordo com o relatório de uma auditoria feita pelo Instituto Superior Técnico (IST), a pedido dos condóminos, “a maior parte da rotação do edifício ocorreu durante a fase construtiva” mas continua a ceder. A laje que suporta o edifício, diz o mesmo relatório, tem menos de metade da espessura que seria recomendável. Deveria ter 35 centímetros, mas tem apenas sete e 15 centímetros, consoante a zona. É a partir desse ponto, adiantou o professor da Universidade do Algarve, Carlos Martins, que irá fiscalizar os trabalhos, que se vão fazer as correcções: “E até é possível, tecnicamente, endireitar o prédio, mas o que está previsto no projecto é a consolidação e fica seguro”, enfatizou. As obras que vão agora ser realizadas “garantem a absoluta segurança e o edifício não necessita de ser evacuado enquanto decorrem os trabalhos”, acrescentou.
Ao longo dos últimos 12 anos, o processo sofreu vários avanços e recuos, com os 29 condóminos a não terem uma posição coincidente quanto à forma de defenderem os seus interesses. Nesta terça-feira, no acto público destinado a encerrar o processo, Francisco Baptista, que fez parte da comissão de acompanhamento que negociou com a câmara, lembrou: “A esperança é que nos mantém vivos, foi uma grande luta até aqui chegarmos”.
O alerta de perigo foi dado em 2007 por um professor de música, que vivia no 7º piso. A certa altura, contou, a bola com que brincava com a filha no quarto deslizava pela casa sem que ninguém lhe tocasse.