O Porto/Post/Doc à caça de Paulo Branco e das auroras boreais
Dois filmes sobre a obsessão e a magia das imagens, entre o bom tempo de Portugal e o frio do Alasca: Deux, trois fois Branco e Sarapanta.
O que é que o produtor Paulo Branco tem a ver com o fenómeno meteorológico das auroras boreais? Nada – a não ser a teimosia e a determinação, quase obsessivas, que um e outro suscitaram em dois realizadores, forçando-os a partir à aventura. Um vai à procura do que faz correr um produtor, outro vai à procura daquilo que o faz correr a ele próprio atrás das auroras boreais. O Porto/Post/Doc recebe ambos por estes dias, em sessões únicas, e uma delas particularmente especial.
É no ecrã-cúpula do Planetário do Porto, esta terça-feira, às 22h, que o festival recebe Sarapanta, assinado por um tal de Cristiano Saturno – nome artístico do veterano jornalista Cristiano Pereira, “caçador de auroras” desde 2010, que partiu para o Canadá e para o Alasca em busca das “luzes do Norte”, espectáculo da natureza que, como o próprio confessa, nenhuma câmara consegue captar em toda a sua grandeza. Cristiano chega perto, nesta média-metragem (43 minutos) que procura explicar o que é que leva um maluco português (às tantas acompanhado por um maluco francês) a viciar-se na próxima aurora boreal que está mesmo ao virar do dia.
Intercalando imagens de auroras com entrevistas a residentes locais para os quais, mesmo tratando-se de um fenómeno regular, elas continuam a ser experiências únicas, Sarapanta é um convite gentil e generoso a pôr de parte a tecnologia e deixarmo-nos deslumbrar pelo mundo natural. Já exibido entre nós no MUVI há poucas semanas, é um filme modesto, despretensioso, honesto, e por isso mesmo sedutor (mesmo que, aqui entre nós, a voz off em inglês seja um bocadinho National Geographic a mais).
Se Cristiano Saturno andou a caçar auroras, Boris Nicot andou “à caça” de Paulo Branco. O seu documentário, Deux, trois fois Branco (Teatro Municipal Rivoli – Pequeno Auditório, quarta-feira, às 16h30), contrapõe à despretensão de Sarapanta uma génese muito mais elaborada. Estreado no último Doclisboa, o filme começa por ser uma espécie de making of de si mesmo, com Nicot no hotel de Sintra onde Wim Wenders rodou O Estado das Coisas a evocar um artigo de Serge Daney na revista Cahiers du Cinéma sobre três rodagens que nesse ano de 1981 decorriam simultaneamente em Portugal: O Estado das Coisas, O Território, de Raul Ruiz, e Francisca, de Manoel de Oliveira. Três produções de Paulo Branco que se alimentavam mutuamente.
Enquanto espera uma entrevista de Branco que é sistematicamente confirmada, desmarcada, anulada, remarcada, Nicot mostra-se mais interessado nas lendas que rodeiam o produtor português. Quer explorar o modo “desenrascado” de “inventar” o cinema que, nas décadas de 1980 e 1990, o elevou a figura central da produção portuguesa e europeia. Ao concentrar-se num punhado de filmes centrais na carreira de produtor de Branco – além dos três acima citados, ainda Non ou a Vã Glória de Mandar, de Oliveira, A Cidade Branca, de Alain Tanner, e O Rei das Rosas, de Werner Schroeter –, o realizador pretende resgatar a memória de um certo modo de fazer cinema que já não é possível hoje em dia. (Não por acaso, o filme passa logo antes do segundo painel de debates Fórum do Real, precisamente sobre “realizar imagens, produzir cinema”, com a presença de Branco, Matías Piñeiro, Pedro Pinho e Cláudia Varejão, às 18h30.)
Quando Branco finalmente concede a sua entrevista, Nicot filma-o como um “sobrevivente” de um período heróico, longe de um exercício hagiográfico. Mas é também aí que o filme se desintegra, sem que as questões que Boris Nicot explorara ao longo de quase duas horas sejam realmente respondidas, como se os depoimentos prestados pelo produtor chegassem para explicar a sua obsessão pelo mágico “pólo português” de produção dos anos 1980. Não chegam, e Deux, trois fois Branco corre o risco de se perder numa confortável mas estéril saudade do que foi e não volta a ser.