Maioria dos países europeus não reconhece que sexo sem consentimento seja violação

Legislação que criminaliza a violação continua inadequada e ineficaz na maioria dos países europeus, denuncia Amnistia Internacional. Portugal ainda não integra “consentimento” na definição de violação.

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Manifestação "Por Todas Elas" em Junho de 2016, no Porto, em repúdio à "cultura de violação" Fernando Veludo n/factos

“O medo das mulheres confirma-se uma vez após outra, ao vermos corajosas sobreviventes que buscam justiça a serem constantemente desprotegidas por definições legais de violação ultrapassadas e nocivas, e tratadas de forma aterradora pelos agentes da Justiça”. O diagnóstico é feito por Anna Blus, investigadora da Amnistia Internacional para os direitos das mulheres na Europa, com base na análise feita pela organização sobre a legislação dos países europeus relativamente à violação.

O relatório Direito a viver livre de violação: análise das legislações e contextos na Europa e padrões internacionais de direitos humanos foi editado no início do ano, e é agora actualizado a propósito do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, que se assinala a 25 de Novembro. Segundo o documento, a legislação que criminaliza a violação continua a ser inadequada e ineficaz na maioria dos países europeus.

Foram analisados os enquadramentos legais dados ao crime de violação em 31 países europeus: os 28 Estados-membros da União Europeia, assim como Islândia, Noruega e Suíça. A conclusão é que apenas oito países têm na lei uma definição de violação centrada no conceito de consentimento, o que estaria de acordo com as recomendações da Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica, conhecida como Convenção de Istambul. De recordar que, entre estes países — Irlanda, Reino Unido, Bélgica, Chipre, Alemanha, Islândia, Luxemburgo e Suécia — os dois primeiros cumprem este requisito mesmo sem terem ainda ratificado a convenção.

Uso ou ameaça de força

Nos restantes países, o crime de violação baseia-se em definições que implicam o uso ou ameaça de força, coacção sobre a vítima ou incapacidade desta de se defender. Em Portugal, que fez algumas alterações à lei em 2015, já depois de ter assinado a Convenção de Istambul, reconhece-se que em vez da força possa haver “constrangimento” a actos sexuais, mas este é um conceito que as autoridades já reconheceram que não é suficiente para incluir todas as situações em que há ausência de consentimento.

Há ainda países como a Croácia, em que a “relação sexual sem consentimento” implica uma pena máxima de cinco anos, por oposição a uma pena de dez anos para crimes de violação, entendida segundo um estereótipo da “verdadeira violação” que envolve violência. “Sexo sem consentimento é violação, ponto final”, sublinha Anna Blus, que alerta que este é um crime que continua sub-denunciado na Europa, devido a uma cultura de culpabilização das vítimas.

Entre as recomendações aos vários países, estão algumas que Portugal já cumpre, como ratificar a Convenção de Istambul (oito dos países analisados ainda não o fizeram) ou enquadrar a violação como um crime contra a liberdade sexual, o que não acontece em países como Malta, onde os delitos sexuais são classificados como “crimes que afectam a boa ordem ou a família”, como descreve o relatório.

No que toca às políticas de defesa das vítimas e à aplicação da lei na prática, as recomendações da Amnistia Internacional vão no sentido de melhorar a eficácia dos procedimentos legais, apostar na sensibilização de profissionais de serviços públicos, criar serviços de apoio especializado para as vítimas — mesmo aquelas que decidam não denunciar o crime à polícia — e investir em programas de educação, adequados às diferentes idades, que abordem a questão do consentimento e das relações saudáveis.

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