Em Borba, há uma operação complexa sem esperança de encontrar sobreviventes
Operação em Borba deve ter como principal preocupação não aumentar o número de vítimas e pode tornar-se impossível resgatar os corpos. Drenagem da água e buscas com sondas são difíceis num cenário "limite".
Imagine a água que existe numa piscina olímpica. Ali, no poço da pedreira de Borba estima-se que esteja o equivalente a 80 piscinas. A quantidade de água já seria motivo suficiente para dificultar a operação da Protecção Civil, mas à água junta-se lama, rochas de grande dimensão a ameaçar cair, terra instável na ladeira e as condições climatéricas que dificultam uma operação sem esperança de encontrar as vítimas com vida, e que podem dificultar o resgate dos corpos em condições de segurança.
Em termos de dificuldade para a Protecção Civil, a situação vivida em Borba tem poucos paralelos em Portugal. Contam-se pelos dedos as situações deste género como a queda da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, onde as correntes, as condições climatéricas dificultavam a busca e resgate e havia, no início, a possibilidade de resgate de vítimas com vida; como o resgate das pessoas soterradas na praia Maria Luísa, com a dificuldade das marés e a urgência de procurar vítimas com vida ou a queda de um viaduto da A15, quando quatro pessoas morreram soterradas em betão. Situações complicadas, mas todas elas diferentes.
"É um acidente que não é by the book", diz ao PÚBLICO o antigo comandante nacional operação de socorro da Protecção Civil José Manuel Moura. Quem está no comando tem de acautelar a melhor maneira de cumprir com dois objectivos: retirar os corpos, mas em condições de segurança, para que não haja mais vítimas. Se assim é nas operações mais habituais, o antigo comandante nacional diz que nesta, como já não há esperança de sobreviventes, tem de ser ainda mais a primeira preocupação. "Há uma regra base neste tipo de cenário: não devem concorrer para aumentar o número de vítimas para além das que já existem". Questionado sobre se há a possibilidade de a Protecção Civil ter de desistir de retirar os corpos, diz que tudo será feito até ao limite, mas que "pode não ficar fora de hipótese".
Esta terça-feira estavam no terreno 59 operacionais das várias forças de Protecção Civil, incluindo três engenheiros do Exército, para ajudarem na avaliação das condições de segurança para o resgate.
Por isso, esta é uma acção complexa mas também demorada, admitindo a ANPC que pode durar "semanas". "Não estamos a tratar de resgatar pessoas com vida. Temos todo o tempo do mundo para fazer a operação. E num cenário mais crítico, tem de ser feito com os maiores padrões de segurança, uma vez que é um ambiente hostil e as condições de segurança são completamente adversas", acrescenta o antigo responsável máximo pelas operações da Protecção Civil.
A operação terá de ser feita por fases e estas não são lineares. Primeiro que tudo, tem de ser feita uma avaliação cuidadosa do cenário e aquele com que se deparam é dos piores, para os quais não há uma resposta-padrão. A pedreira é um poço de 80 metros de profundidade, 50 entre o solo e a água e mais 30 de água parada, que se estima equivaler a cerca de 200 mil metros cúbicos. Acresce que, tal como admitiu o comandante distrital José Ribeiro, "a situação é instável e dinâmica e a todo o momento essas situações [de aluimentos mais pequenos] estão a ocorrer".
A estratégia passa por drenar o tal poço recorrendo a moto-bombas. Mas essa drenagem não pode ser feita para locais próximos. "Tem de ser garantido que não há vasos comunicantes e que se esteja a retirar água de um sítio para entrar por outro", explica José Manuel Moura. Ao lado deste poço, existem outras pedreiras também com águas paradas e com a chuva a continuar a cair, são duas situações a ter em conta para que o esforço de retirada da água não seja inglório.
Enquanto isto, é feito o trabalho de estabilização das terras o que, com uma empena de dezenas de metros e os solos muito permeáveis, é tarefa complicada e morosa.
Só quando estes dois processos derem garantias e restar lama é que entram em acção alguns equipamentos como sondas (vibroscópios) que permitem reconhecer se existem massas, viaturas ou pessoas, que estejam submersas. Aliás, estes aparelhos terão começado a ser usados esta terça-feira à tarde noutra parte do poço, com a ajuda de uma grua para procurar a possibilidade de vítimas soterradas na enorme massa de terra e lama que aluiu.
Só depois poderão entrar em acção os mergulhadores especiais da Força Especial de Bombeiros, da unidade de Salvamento Aquático, habituadas a mergulhar sem visibilidade apenas através do tacto, será isso que farão, rastreando o fundo daquele poço de lama com a ajuda de cordas à procura das vítimas.
Este processo só poderá ocorrer se todas a condições estiverem reunidas, mas pode demorar até que todos os elementos se alinhem para ajudar os bombeiros. "Estamos numa situação limite", diz José Manuel Moura. Uma situação limite que provocou a morte pelo menos a duas pessoas, encontrando-se mais três desaparecidos.