Portugal não convence Bruxelas sobre contrato da zona franca

Carta de Portugal à Comissão Europeia a justificar ajuste directo da gestão do centro internacional de negócios da Madeira foi insuficiente para fazer cair processo de infracção. Bruxelas leu as justificações e mantém as dúvidas.

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lm miguel manso

Os argumentos apresentados por Portugal à Comissão Europeia (CE) para justificar o ajuste directo da exploração da zona franca da Madeira (ZFM) à Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM) não convenceram Bruxelas até ao momento, mas o Funchal acredita que as dúvidas serão ultrapassadas “a seu tempo”.

A resposta do Estado português às primeiras dúvidas colocadas pela Comissão Juncker foi insuficiente para pôr um ponto final no processo de infracção aberto contra Portugal há mais de um ano. Se Bruxelas tivesse concordado com o entendimento de Lisboa e do Funchal, podia ter encerrado o caso numa primeira fase do processo, o que não aconteceu. A 8 de Novembro, decidiu seguir em frente com o processo, avançando para uma segunda fase, ao enviar um “parecer fundamentado” com novas perguntas.

A essa carta, Portugal tem de responder dentro de dois meses, sob pena de enfrentar uma acção no Tribunal de Justiça da União Europeia (uma hipótese remota, já que o Governo deverá responder dentro do prazo). Mas o que não está afastado é o cenário de o caso chegar ao tribunal europeu se os argumentos portugueses continuarem a não vingar em Bruxelas. E em última instância, chegar-se à fase das sanções.

Este não é o único caso que a Comissão Europeia tem em mãos por causa da zona franca. De pé está um outro processo mais espinhoso: a investigação aprofundada às isenções fiscais atribuídas a empresas da ZFM, por estarem em causa dúvidas em relação aos empregos criados pelas companhias e aos lucros obtidos na região como condição para poderem aproveitar os benefícios fiscais.

No caso da infracção relacionada com o ajuste directo, Bruxelas entende que a entrega da concessão sem concurso público à SDM — a entidade que gere o centro de negócios desde 1987, controlada pelo grupo Pestana e participada pela Região Autónoma — viola as regras europeias.

É esse o ponto da divergência: de um lado, Portugal afirma que cumpriu a legislação; do outro, o executivo europeu considera que o Governo Regional da Madeira deveria ter aberto um concurso público. Foi essa a posição que a CE manteve já depois de receber as justificações enviadas por Portugal em Setembro de 2017.

Se há situações excepcionais em que os ajustes directos podem ser invocados, para Bruxelas este não podia ter sido um deles, por não estar em causa a protecção de direitos de propriedade intelectual, nem a ausência de concorrência “por razões técnicas”. Como não houve um concurso, houve prejudicados: os “operadores económicos potencialmente interessados”. O que as regras europeias estabelecem, lembrou Bruxelas num comunicado, são “concursos públicos, transparentes e adequados que permitam às empresas apresentar propostas”.

Desfecho incerto

O Governo de António Costa tem-se articulado com o executivo regional liderado por Miguel Albuquerque para defender que não houve incumprimento do direito da União Europeia. Mas, tanto não foi esse o entendimento da Comissão Juncker que o processo de infracção não foi encerrado na primeira fase.

Tudo começou a 13 de Julho de 2017, quando Bruxelas enviou para Lisboa uma “carta de notificação para cumprir”. Às informações pedidas, Portugal respondeu a 14 de Setembro desse ano; e volvidos 13 meses, a Comissão decidiu agora enviar o “parecer fundamentado” a levantar novas ou repetidas dúvidas.

Se, na segunda ronda, Bruxelas já considerar os argumentos de Portugal válidos, pode encerrar o caso, ao contrário do que se passou na primeira fase. Se mantiver a posição actual e considerar que o país infringiu a legislação europeia, pode enviar o caso para o Tribunal de Justiça da UE e pedir a aplicação de sanções financeiras contra Portugal. Esse é o cenário que Lisboa e o Funchal querem evitar, mas nada está garantido neste momento.

À pergunta sobre como avalia o Governo Regional da Madeira o facto de os argumentos apresentados pelo Estado não terem sido acolhidos pela Comissão, o executivo regional liderado por Miguel Albuquerque contornou a questão dizendo acreditar que o assunto será ultrapassado “a seu tempo”. Portugal, diz, vai agora “estudar a reacção adequada”.

Nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), confrontado com a mesma pergunta, nem o executivo regional quiseram falar das divergências concretas que separam Portugal de Bruxelas. O Governo de António Costa diz que o processo é por ora confidencial; o Governo Regional respondeu ter sido notificado do parecer da Comissão na última quinta-feira e que ainda “irá analisar a fundamentação aduzida”.

A SDM, que gere a zona franca, é uma sociedade anónima detida pelo grupo Pestana e participada pela Região Autónoma da Madeira. O conselho de administração é liderado por Francisco Costa e tem mais dois administradores executivos: João Machado, ex-director Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da região (a entidade a quem cabe o controlo fiscal das empresas instaladas na zona franca); e José António Câmara.

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