A preparação do ataque em Alcochete: “Entramos e batemos, bazamos”
Esta é apenas uma das mensagens trocadas entre adeptos do Sporting que invadiram a academia do clube. Ex-presidente Bruno de Carvalho e mais 43 arguidos acusados de 97 crimes de terrorismo.
“Entramos e batemos, bazamos”. “Têm mesmo que levar nos cornos todos”. “Os jogadores têm que pensar que o Iraque chegou a eles”. Estas foram algumas das mensagens trocadas, através do WhatsApp, entre os adeptos do Sporting acusados de atacarem a academia do clube, em Alcochete, em Maio passado. As mesmas estão descritas na acusação do Ministério Público que imputa 97 crimes de terrorismo a 44 arguidos, incluindo ao ex-presidente do clube de Alvalade, Bruno de Carvalho.
A procuradora Cândida Vilar, do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, foi forçada a avançar com a acusação. A própria não esconde isso mesmo, admitindo que devido a não se ter conseguido notificar dois advogados havia o risco de três arguidos serem libertados por excesso de prisão preventiva. “A investigação não está totalmente concluída”, afirma a magistrada no início do despacho final, queixando-se de não lhe terem sido facultadas informações sobre escutas feitas ao antigo director do Sporting, André Geraldes, num outro processo. Por isso, acaba por arquivar as suspeitas quanto a este responsável. Isto apesar de referir que Bruno Jacinto, que à data dos factos tinha as funções de oficial de ligação do Sporting aos adeptos, declarara que avisou o então director do clube que elementos da claque Juventude Leonina iam à academia de Alcochete.
O depoimento de Jacinto parece ser o principal trunfo do Ministério Público para afirmar que Bruno de Carvalho e o líder da Juve Leo, Nuno Mendes, “não só compartilharam a decisão criminosa, mas também a determinaram” levando 41 adeptos a praticar 40 crimes de ameaça agravada, 19 de ofensa à integridade física qualificada e 38 de sequestro. Estes 97 ilícitos, no entendimento do Ministério Público, configuram neste caso crimes de terrorismo, puníveis com pena de prisão de dois a dez anos.
Relativamente ao líder da claque a procuradora Cândida Vilar nota que Nuno Mendes fazia parte de um dos grupos do WhatsApp no qual foi combinado o ataque à academia, “apesar de não manter conversas” por essa via, nem ter estado em Alcochete. Quanto a Bruno Carvalho, refere que numa conversa mantida no aeroporto do Funcha, a 14 de Maio, entre o líder da claque, o anterior presidente, Fernando "Mendes" Barata, e Bruno Jacinto, o primeiro garantiu que falara com o presidente – Bruno Carvalho – e que este lhe teria dito “Desta vez façam o que quiserem aos jogadores!” Na mesma conversa, o presidente da Juve Leo terá dito aos colegas que Bruno de Carvalho o informara que Jorge Jesus já não era treinador do Sporting.
A acusação refere ainda que na madrugada de 14 de Maio, depois do Sporting ter perdido no Funchal contra o Marítimo, Bruno de Carvalho “estabeleceu seis comunicações com o arguido Fernando Barata”, que está em prisão preventiva desde Junho.
Sublinha ainda que o ex-presidente do Sporting “manteve sempre contactos pessoais e privilegiados com o líder da Juve Leo”, muitas vezes “no gabinete do próprio Bruno de Carvalho” e recorda alguns textos do ex-presidente, nomeadamente um em que ameaçava suspender todos os jogadores do clube. “Tais afirmações visavam determinar os adeptos à prática de acções violentas contra os jogadores e a equipa técnica, o que o arguido Bruno de Carvalho pretendia, dado que há muito existia um conflito aberto entre o arguido e alguns jogadores do clube, designadamente Rui Patrício, William Carvalho e Acuña”, lê-se na acusação.
As mensagens de WhatsApp mostram que um grupo de adeptos programou o ataque, tendo combinado até o vestuário que deviam levar e o local onde deviam encontrar-se. Um deles ficou mesmo encarregado de passar previamente pela academia para ver se havia polícia e pelo posto da GNR local para observar eventuais movimentações policiais. “Capucho, chapéu, óculos escuros”, aconselha um deles.
Sobre a descrição do ataque, a acusação precisa que o grupo de 43 adeptos encapuzados – um por incapacidade física e mental não foi acusado e outro está em parte incerta - entrou, "de rompante, pelo portão principal da Academia, que se encontrava aberto”. Dirigiram-se aos campos 2 e 3, onde estava Jorge Jesus com dois elementos da equipa técnica, a quem atiraram várias tochas.
Percebendo que os jogadores não estavam no local, dirigiram-se depois para o edifício onde se situam os balneários e forçaram a entrada. Com um cinto agrediram Jorge Jesus, uma arma que usaram várias vezes no ataque. Já nos balneários, um grupo ficou a bloquear a saída. Lá dentro, lançaram-se quatro tochas, uma das quais atingiu um dos elementos da equipa técnica, queimando-o num dos pulsos e na zona abdominal. E agrediram a soco e a pontapé vários jogadores. Por vezes, uns imobilizavam a vítima enquanto outros a agrediam. O intenso fumo que se fazia sentir acentuava a confusão.
"Um outro arguido encapuzado, de comum acordo e em comunhão de esforços com os restantes (…) aproximou-se do ofendido Bas Dost e, empunhando um cinto com fivela, desferiu um golpe na cabeça do ofendido, provocando-lhe a queda no solo”, descreve a acusação.
Para explicar as imputações de terrorismo, logo no início do despacho, a procuradora Cândida Vilar explica que "o elenco de crimes que cabem na noção de terrorismo é muito compreensivo, abrangendo, por exemplo, as ofensas simples à integridade física e quaisquer ameaças".
Mais à frente, acrescenta: "O bem jurídico protegido permite configurar como crime de terrorismo a acção dirigida contra os atletas de um clube com o objectivo de os intimidar". Para tal é necessário, além do dolo, "a intenção de intimidar certas pessoas ou grupos de pessoas, que aqui se verifica e concretiza na equipa de futebol de um clube".