Um quilo ainda é um quilo mas a sua definição mudou a partir de hoje
Cientistas reunidos na Conferência Geral sobre Pesos e Medidas, a decorrer no Palácio de Versalhes, em Paris, aprovaram a resolução que determina que o “quilograma quântico” como a nova referência para a medida de massa.
Os cientistas de mais de 50 países reunidos em Paris são unânimes: “É um dia histórico para a metrologia”, a ciência que garante que os equipamentos que medem processos e fenómenos físicos o fazem de forma correcta e universal. O quilograma, que tem sido definido a partir de um objecto físico, uma peça cilíndrica guardada perto de Paris, passa a ser definido a partir de uma das constantes da natureza. A mudança foi aprovada esta sexta-feira e entra em vigor a 20 de Maio de 2019. A redefinição de acordo com as constantes da natureza também acontece para as unidades básicas de outras três grandezas: temperatura, corrente eléctrica e quantidade de matéria.
Primeiro que tudo, fica esclarecido desde já que um quilo ainda pesa um quilo. O que usamos para o definir de forma universal é que mudou. Para o comum dos mortais, a ideia de “calibrar” a sua definição pode parecer um preciosismo desnecessário que apenas interessa aos cientistas. Não é verdade. A mudança da definição de quilograma vai beneficiar medições de alta precisão nas áreas da tecnologia, do comércio ou da saúde – ainda que não vá mudar grande coisa nas nossas rotinas diárias e na quantidade de coisas que trazemos para casa depois de as pesarmos numa balança de supermercado.
A votação que muda a forma como definimos um quilograma decorreu ao final da manhã, pelas 12h15 de Lisboa. Um a um, os delegados dos 54 países presentes na reunião votaram, de pé na sala, com um sonoro “yes!” (nalguns casos, um “oui”). A proposta foi aprovada por unanimidade. A nova medida entra em vigor a 20 de Maio de 2019.
O quilograma vai agora ser definido por um valor fundamental imutável chamado “constante de Planck”. A nova definição de quilograma-padrão envolverá o uso de um sofisticado aparelho chamado “balança de Kibble”, que se serve da constante de Planck para medir a massa de um objecto de forma muito rigorosa.
O quilograma foi definido em 1889 através de uma peça cilíndrica reluzente de platina e irídio guardada perto de Paris. Todas as medidas modernas para a massa têm como referência essa peça – desde microgramas de fármacos até quilos de maças e pêras e toneladas de aço e cimento. Isto porque foi a partir desta peça que foram feitas todas as outras cópias. Há réplicas oficiais distribuídas pelo mundo. E, a partir destas cópias oficiais, foram construídas mais peças para o quilograma, para a calibração das medidas em cada país. De vez em quando essas cópias iam a Paris para comparação com a peça-padrão do quilograma.
O problema é que o Protótipo Internacional do Quilograma não tem sempre a mesma massa (vai acumulando pó, o que lhe altera a massa) e, como tal, não tem sempre o mesmo peso. A ideia da mudança de definições está a ser discutida há vários anos. Esta sexta-feira, no final de uma semana de reuniões da Conferência Geral sobre Pesos e Medidas (a 26.ª) no Palácio de Versalhes, em Paris, os representantes dos Estados-membros da Convenção do Metro, que criou em 1875 o Gabinete Internacional de Pesos e Medidas, foi votada a resolução que o “quilograma quântico” seja a nova referência para a medida de massa.
Mas não é a única unidade básica do Sistema Internacional de Unidades que está em revisão nesta Conferência Geral sobre Pesos e Medidas. Quatro das sete unidades básicas passaram a partir de agora ser definidas em função de constantes da natureza. Além do quilograma para a unidade de grandeza da massa, também o ampere para a corrente eléctrica, o kelvin para temperatura termodinâmica e a mole para a quantidade de matéria passam agora a ser definidos usando constantes da natureza. O quilograma, como já referimos, será definido pela constante de Planck, o ampere será definido pela carga eléctrica elementar, o kelvin pela constante de Boltzmann, a mole pela constante de Avogadro.
Assim, o que ontem fazia com que um quilo fosse um quilo já não é o mesmo hoje, mas um quilograma continua um quilograma. Confuso? “O tamanho das unidades não mudou (um quilo será um quilograma)”, esclarecem os cientistas do Gabinete Internacional de Pesos e Medidas em comunicado. “Esta decisão significa que todas as unidades do Sistema Internacional de Unidades serão definidas por constantes que descrevem o mundo natural. Isto irá assegurar a estabilidade futura do Sistema Internacional de Unidades e tornar possível o uso de novas tecnologias, incluindo tecnologias quânticas, para pôr em prática as definições”, sublinha o comunicado dos peritos.
Na mesma nota, os cientistas argumentam ainda que “nos últimos 50 anos, os cientistas mediram constantes da natureza, como a velocidade da luz e a constante de Planck, com uma precisão crescente; de facto, o metro já foi redefinido em 1983 em termos da velocidade da luz”. Assim, concluem: “A estabilidade inerente a essas constantes torna-as ideais para sustentar novas definições das unidades do Sistema Internacional de Unidades e preparar o sistema de medidas para responder às exigências futuras da ciência e da tecnologia.”
Com a aprovação da resolução, o Sistema Internacional de Unidades fica baseado em sete constantes físicas e, portanto, inerentemente estáveis. Nascem novas definições universais e enterra-se o último artefacto físico remanescente no sistema internacional de unidades – o cilindro de metal conhecido como Protótipo Internacional do Quilograma. A partir desta sexta-feira, 16 de Novembro de 2018, a definição de um quilograma já não depende de um objecto feito no século XIX, guardado em redomas de vidro ano após ano. É um dia histórico para a metrologia.