Na habitação social não tem de haver casas de segunda
Obras no Bairro Padre Cruz, em Lisboa, prevêem a construção de 500 habitações para os moradores do maior bairro social da Península Ibérica. Dotar o bairro de habitação digna e "com os mais altos padrões de sustentabilidade" é uma das prioridades de Fernando Medina.
Joaquim Barata, de 79 anos, há muito que esperava uma casa digna de o abrigar. Não fosse um amigo acolhê-lo aquando de um acidente que lhe deixou marcas numa perna, teria continuado a viver numa casa devoluta com o telhado em risco de desabar, no Bairro Padre Cruz, em Lisboa. A partir de quinta-feira, numa das ruas do bairro, Joaquim tem um rés-do-chão reabilitado à sua espera, fruto do programa de investimento habitacional nos bairros sociais da câmara de Lisboa.
Fernando Medina fez questão de estar presente para entregar a chave ao novo morador da casa na Rua Professor Almeida Lima. “Espero durar mais uns anos para poder gozar o que me estão a oferecer”, goza Joaquim, sem esconder a emoção que o invade. O programa do município, no bairro junto a Carnide, construiu, numa primeira fase, 20 moradias, que são já habitadas por famílias. São casas térreas, dotadas de hortas e pensadas para reaproveitar ao máximo os recursos, sem descurar a versatilidade de transformação do interior.
A próxima fase da intervenção passa pela construção de um quarteirão-piloto que permitirá realojar 200 pessoas, repartidas por 46 fogos. A obra, de acordo com o presidente da câmara, deverá estar concluída em Fevereiro de 2019 e pretende dotar o bairro de habitação condigna para os seus moradores. A preocupação foi construir novas habitações “com os mais altos padrões de sustentabilidade”. Como sublinha Medina, a “habitação social não tem de ser habitação de segunda”.
O projecto de construção foi delineado para aproveitar ao máximo os recursos energéticos e reduzir os custos dos agregados familiares. O prédio funcionará através de energia solar, proveniente dos painéis instalados no cimo do edifício, o que permitirá recorrer a energia eléctrica apenas quando a exposição solar for insuficiente. O isolamento térmico também foi uma preocupação, bem como a versatilidade da orientação das habitações propriamente ditas.
Em conversa com os jornalistas, o presidente reiterou a importância de os apartamentos, que vão desde T0 a T4, serem facilmente transformáveis e adaptáveis às necessidades de cada família. “São situações inteligentes que estamos a aplicar na habitação social”, frisou.
Se for necessário erguer uma parede para transformar determinada parte da casa num quarto, é possível. Há janelas e ligações eléctricas em todas as faces das casas, permitindo, assim, essa facilidade.
No Bairro da Boavista, estão já a ser construídas cerca de 138 casas, e, no Bairro da Cruz Vermelha, o processo também já está em marcha. Com estas medidas, o executivo de Fernando Medina mostra serviço, numa altura em que a situação da habitação na cidade atravessa um momento conturbado. Os preços altamente inflacionados e a pouca oferta de imóveis fazem do acesso à habitação um direito nem sempre assegurado.
Elisete Andrade, 72 anos, é presidente da associação de moradores do bairro, e teve um papel preponderante na evolução de todo o processo. É que para realojar, é preciso colocar as pessoas em habitações de acolhimento temporário, e esse processo, por vezes, pode ser difícil. “Quando saem da zona de conforto, as pessoas retraem-se sempre”, afirma.
Joaquim foi um dos moradores realojado numa casa temporária. Mas, agora que encontrou um lar, não quer esperar pelo fim das obras do prédio a ser erguido, e não faz mal. É dada aos moradores a liberdade de decidirem ficar nas casas de alojamento intermediário ou de se mudarem para os novos apartamentos quando estiverem concluídos. A vaga, nesses casos, é transferida para outras pessoas das futuras fases de realojamento que ainda terão lugar.
Elisete saudou a câmara e todas as partes envolvidas. As decisões foram tomadas com base nas preocupações e desejos dos moradores, e por isso, justifica Medina, o processo de construção foi mais lento, mas privilegiou os interesses dos habitantes. “Está tudo feito de acordo com os moradores”.
Na terceira fase do projecto estabelecido para o bairro situado no extremo norte da cidade, está prevista a construção de habitação de tipologia baixa. Ao invés dos anteriores critérios de construção de habitação social praticados pela câmara, o executivo percebeu que esse modelo não trazia nada de bom.
Construir casas térreas aproxima os moradores e reduz custos de manutenção das estruturas. Os valores de construir em altura já não trazem nada de positivo. Quando as novas casas forem construídas, albergarão 46 famílias, que antes serão transferidas para habitação reabilitada e temporária.
Para o bairro, o investimento de construção de novos pólos habitacionais rondará os 40 milhões de euros. 2,5 milhões estão alocados à construção do quarteirão-piloto, que em breve receberá os novos moradores. Finalizado o processo, terão sido construídas cerca de 500 habitações num dos maiores bairros sociais da Península Ibérica.
Elisete aponta: “Ainda hoje foram aqui demolidas casas de uma vida. Vi pessoas a passarem pelos escombros com lágrimas nos olhos. Mas agora sabem que terão uma casa digna”.