Christopher Wylie: “Estamos a deixar-nos colonizar pelas empresas de tecnologia”

O programador que denunciou o escândalo da Cambridge Analytica diz que regular as redes sociais não pode ser visto como impossível. Caso contrário, corre-se o risco de lhes dar demasiado poder sobre a sociedade. O PÚBLICO acompanha as principais ideias em debate na Web Summit.

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Wylie denuncia a falta de informação de algumas das pessoas responsáveis por pensar na regulação das redes sociais,Wylie denuncia a falta de informação de algumas das pessoas responsáveis por pensar na regulação das redes sociais LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO,LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO
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Wylie denuncia a falta de informação de algumas das pessoas responsáveis por pensar na regulação das redes sociais LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Regular as redes sociais não pode ser visto como uma missão impossível – foi esta a principal mensagem de Christopher Wylie, o programador canadiano que denunciou o escândalo do uso abusivo de dados de utilizadores do Facebook pela empresa Cambridge Analytica. Para o fazer, Wylie diz que é preciso perceber a urgência do problema, e pôr a regulação nas mãos de quem percebe a Internet.

“Estamos a deixar-nos colonizar pelas empresas de tecnologia”, alertou o programador no palco principal da Web Summit. Referia-se, em particular, às redes sociais. Wylie atingiu notoriedade global no começo do ano, aos 28 anos, com a denúncia sobre como a consultoria britânica Cambridge Analytica – onde trabalhou no passado –  estava a utilizar abusivamente dados de utilizadores do Facebook para criar campanhas políticas direcionadas em todo o mundo. Terão influenciado, por exemplo, a vitória de Donald Trump, nos EUA, e o resultado do referendo Brexit no Reino Unido.

“O Facebook ainda tem demasiado poder”, diz Wylie. Mesmo com várias pessoas a abandonar a plataforma, depois da denúncia de Wylie se tornar pública, a empresa de Mark Zuckerberg também é dona do Instagram e do serviço de mensagens do WhatsApp. Na última apresentação de dados trimestrais do Facebook, em Julho, a empresa revelou que 2500 milhões de pessoas usam pelo menos uma das empresas da família do Facebook, e que o uso do seu serviço de partilha de imagens, o Instagram, continua a crescer.

Wylie compara as redes sociais aos “antigos colonizadores”, que eram inicialmente vistos como “mensageiros divinos, que promoviam a união”, mas eram, na realidade, “exploradores que queriam acumular recursos” na forma de dados pessoais, sem se preocupar em perceber como as comunidades em que estão a entrar funcionam.

O programador sublinha que este problema não se limita aos processos eleitorais das democracias ocidentais. E lembra o caso da Birmânia, onde o Facebook continua a ser usado para incentivar a violência contra a minoria rohingya, uma comunidade muçulmana naquele país. Em Agosto, o Facebook admitiu ser demasiado lento a tentar resolver o problema.

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Milhares de Rohingya foram obrigados a abandonar a Birmânia Tyrone Siu/Reuters

No país, a maior parte das pessoas acede à Internet através do telemóvel, com pacotes de subscrição mensais que incluem mensagens ilimitadas em redes sociais como Facebook. Visto como uma fonte fidedigna de informação, o site é utilizado para grupos de extremistas budistas e forças militares fazerem campanha contra os muçulmanos.

“Só este ano é que o Facebook percebeu que era preciso ter alguém a falar birmanês, na Birmânia, para resolver o problema”, criticou Wylie em palco, recordando como a solução do Facebook só chegou depois da erupção do escândalo com a Cambridge Analytica, que pôs o holofote sobre a empresa e levou à contratação de 60 especialistas fluentes em birmanês.

Para Wylie, situações como o problema na Birmânia são a razão pela qual é importante introduzir regulação nas plataformas da Internet. O maior problema, diz, é que os políticos responsáveis pela regulação parecem não estar cientes dos problemas em causa por não usarem tecnologia. Em 2018, prestou depoimentos tanto no Parlamento Britânico como no Senado norte-americano e diz que algumas das perguntas que lhe fazem são assustadoras.

"Mas onde é que a Internet é guardada?"

“As coisas que me perguntam em privado deixam-me muito preocupado. Sou questionado ‘mas onde é que a Internet é guardada nos EUA?’ por pessoas responsáveis por regular plataformas online”, queixou-se. “Em 2018, não se pode dizer ‘não sei como a Internet funciona’. É o equivalente a dizer 'não sei como as alterações climáticas ou os direitos sociais funcionam’”.

Wylie lembra que muitas pessoas já vivem com um telemóvel no bolso. “Em muitos países, as pessoas dormem mais com os telemóveis do que dormem com outras pessoas”, frisou, exasperado, para risos da plateia.

Nos últimos meses, o Facebook tem feito esforços para mostrar que está a levar o problema a sério. Depois da erupção com o escândalo da Cambridge Analytica, lançou uma auditoria a milhares de aplicações para perceber como estavam a usar os dados dos utilizadores. No último ano, o Facebook também duplicou a sua equipa de verificadores de factos de dez mil trabalhadores para 20 mil, criou um centro de combate às notícias falsas e passou a obrigar pessoas e organizações que financiam políticos a passar por uma verificação de identidade.

Wylie diz, porém, que as plataformas não podem depender apenas da autorregulação. Com pouco tempo para falar (cada conversa no palco da Web Summit dura cerca de 20 minutos), Wylie não teve tempo para dar as suas próprias sugestões, mas nota que regular não é impossível se for levado a sério.

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Wylie diz que as empresas não podem depender da autorregulação Jose Cena Goulao/Lusa

“Regulamos tudo o resto. Não estamos em permanente terror quando entramos num avião. Confiamos na regulação”, lembrou Wylie. “Se conseguimos regular fábricas de energia nuclear, devíamos conseguir regular plataformas online”, disse para uma ronda de aplausos da audiência no palco principal. “Os professores, médicos, jornalistas, advogados todos seguem leis éticas. Porque não quem trabalha com dados em tecnologia?”

Lembra que “o futuro em que algoritmos estão em controlo" não está assim tão longe. “As pessoas não parecem estar preocupadas com a aglomeração de dados, mas somos a primeira geração a colocar assistentes digitais em casa. No futuro vamos ter a casa conectada ao carro, ao telemóvel, ao escritório, em que os sistemas informáticos podem ter o poder de decidir aquilo que vemos. É preciso regular agora.”

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