A cabecinha pensadora de António Costa
Fazer um Governo a pensar na década seguinte é bom para a vitalidade do PS, que, com o PSD a continuar no estado em que está, pode sonhar com futuros que cantam.
Costa já está a preparar o próximo Governo, como conta a São José Almeida nesta edição. Só achará a coisa prematura quem não conhece a cabecinha do primeiro-ministro que elabora estratégias intensivas sobre o seu futuro político desde que chegou à idade adulta.
Isto não tem nada de anormal: quem deseja o poder máximo começa a preparar o seu trajecto com antecedência — aliás, isso aconteceu com todos os líderes dos maiores partidos portugueses, incluindo aquele que sempre disse aos portugueses que não era profissional da política e inventou uma história de que chegou a líder do PSD por ter ido fazer a rodagem de um Citroën ao Congresso do PSD na Figueira da Foz nos anos 80 do século XX — Aníbal Cavaco Silva.
Costa às vezes deixa algumas coisas ao acaso, mas nunca o seu futuro político. A chegada ao poder dentro do PS estava no seu programa individual há muitos anos - e quando a possibilidade da derrota face à coligação Passos-Portas começou a emergir, Costa rapidamente pôs em ebulição a sua mente pragmática e matemática, elaborando regras de três simples com que chegou à solução da "geringonça".
Neste momento, a "geringonça" é descartável e o Governo que Costa planeia agora para entrar em funções depois das legislativas é aquele em que terá maioria absoluta, ou perto disso. É um Governo onde ainda precisará de Mário Centeno como presidente do Eurogrupo, pelo menos durante algum tempo. A situação na Europa é razoavelmente imprevisível para que Costa queira dispensar o seu melhor activo nos corredores de Bruxelas. Além de que Centeno atingiu um patamar de influência tão grande que serve muito bem a Costa como pára-raios - afinal, as cativações são "de Centeno", os cortes são "de Centeno". Uma bênção que o liberta dos ataques internos e externos.
Mas o Governo que Costa pretende fazer depois de ganhar as eleições - claro que pode acontecer alguma coisa que inverta a vitória do PS, mas neste momento não é visível — tem a vantagem de dar poder à geração seguinte, tal como fez António Guterres com o próprio António Costa. O próximo Governo permitirá o crescimento político dos dirigentes da geração que irá liderar o PS no futuro. É verdade que Costa ainda não meteu os papéis para a reforma, como fez questão de dizer no Congresso numa boutade indisfarçavelmente dirigida ao sucesso que o futuro candidato a secretário-geral Pedro Nuno Santos obteve entre os militantes socialistas, mas está a preparar a reforma. E fazer um Governo a pensar na década seguinte é bom para a vitalidade do PS, que, com o PSD a continuar no estado em que está, pode sonhar com futuros que cantam.