O socorro no Gerês precisa de mais coordenação, defendem especialistas

As pessoas continuam a perder-se no Gerês, obrigando a operações complexas (e caras) de busca e salvamento, que nem sempre decorrem de forma coordenada. Falta um plano de intervenção coordenado para as forças de emergência, defendem especialistas.

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Os visitantes têm de ser educados para os riscos que uma zona de montanha pressupõe Hugo Santos

Nos primeiros dez meses do ano, o número de pessoas resgatadas no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) já ultrapassou o do ano passado. Se em 2017 a GNR resgatou 24 pessoas — com um pico em Agosto (15) —, este ano, até ao final de Outubro, foram resgatadas 31 pessoas (três das quais vítimas mortais), de acordo com dados da GNR enviados ao PÚBLICO. São operações complexas e dispendiosas, realizadas sem existir ainda um plano que coordene todas as forças envolvidas. 

Se o grande mediatismo sobre os resgates acontece nos meses de Verão, é no Inverno, com condições climatéricas mais desfavoráveis, que estas missões de busca e salvamento se tornam mais complicadas, dizem os especialistas. Ainda no último fim-de-semana de Outubro, três jovens que percorriam um trilho na serra acabaram por se desorientar quando foram surpreendidos por um nevão e pelo nevoeiro que se levantou na zona das Minas dos Carris, concelho de Montalegre. 

O grupo foi resgatado na madrugada de domingo, para lá da fronteira, numa área do Parque Natural do Xurés – Galiza, a mais de 60 km do ponto de partida, e depois de várias horas expostos a temperaturas quase negativas. A operação contou com os esforços de oito bombeiros de Montalegre, quatro da corporação de Salto, do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da GNR, apoiados por uma viatura de socorro do INEM, e ainda da Guardia Civil espanhola.

Acabou por correr tudo bem, mas o parque da Peneda-Gerês continua sem ter um plano integrado que coordene as autoridades e os meios de emergência sempre que é necessária a sua actuação. Falta “uma ferramenta essencial” para que o socorro seja operacionalizado de uma forma mais eficaz: um Plano Prévio de Intervenção, alerta Jorge Eiras, que estudou o risco associado às actividades de montanha no Gerês no seu trabalho final da licenciatura em Engenharia de Protecção Civil, da Universidade Lusófona do Porto.

Cinco entidades numa operação de socorro

Jorge Eiras vive em Vila Verde e é bombeiro em Amares, concelhos periféricos ao parque. Durante dois anos, 2015 e 2016, estudou as ocorrências registadas no parque na última década e a forma como o socorro é prestado. 

“O parque é uma área de montanha. A recepção de uma chamada de emergência via 112 para uma queda no parque precede sempre de uma situação de socorro. Ao mesmo tempo que mobilizam uma ambulância, têm, na maioria das vezes, que mobilizar uma equipa de resgate. As equipas que tripulam as ambulâncias não estão preparadas para retirar as vítimas do local de queda”, explica ao PÚBLICO o autor do estudo Avaliação de Riscos Associados a Actividades de Montanha no Parque Nacional da Peneda-Gerês, que deu origem a um artigo que será publicado em Janeiro na revista científica Territorium, da Universidade de Coimbra.  

A operação de busca e resgate no passado fim-de-semana envolveu cinco entidades no mesmo teatro de operações, "sem a clarificação de como é que essas forças devem interagir e quem, no fundo, coordena essas operações", nota também o vice-presidente da câmara de Montalegre, David Teixeira. "Sem um canal comum de comunicações, sem um plano prévio sobre como se vai intervir. Isto é atirar gente para o socorro sem ter a certeza que os próprios socorristas vão voltar. Isso não pode acontecer”, alerta o autarca que detém também o pelouro da protecção civil no município. 

É preciso reposicionar meios

Seria, portanto, necessário o desenvolvimento de um plano global para o parque, que fosse gerido por uma entidade. A análise que o investigador Jorge Eiras fez permitiu-lhe concluir que o maior número de acidentes se regista no distrito de Braga. Sugere, por isso, que o Comando Distrital de Operações de Socorro de Braga ficasse responsável pela elaboração deste plano prévio de intervenção e pela sua operacionalização.

Por vezes há meios que estão próximos do local e têm as competências para intervir, mas são, no entanto, os últimos a chegar. “Um determinado utilizador liga para o 112 e diz que tem uma queda nas cascatas da Fecha de Barjas [conhecidas por Cascatas do Taiti]”, exemplifica Jorge Eiras, explicando que cabe à central de emergência transferir essa informação para os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). 

“O CODU vai verificar se tem alguma ambulância da estrutura INEM e mobilizar um meio de emergência médica que se desloca para o local. Chega lá e verifica que não tem forma de retirar de lá a pessoa porque está numa cascata”. Durante este processo, descreve Jorge, passaram 30, 40 minutos. Só depois se mobiliza um meio de resgate, o que leva mais mais meia hora.

"Se todas as forças estivessem articuladas, o CODU, ao receber a chamada, contactava com a Protecção Civil que a posteriori mobilizaria uma equipa de resgate do GIPS para o local". Quando a ambulância lá chegasse, os meios estavam reunidos e, assim, a resposta ao socorro diminuiria para metade do tempo.

O município que detém o melhor tempo de resposta de acesso e meios ao perímetro do parque é o município de Arcos de Valdevez. O pior é Terras de Bouro, precisamente o município onde acontecem mais acidentes, "que concentra das zonas mais críticas. Está completamente desajustado”, nota. Seria, por isso, necessário reposicionar determinados meios, melhorar a rede de emergência.

Para Artur Costa, professor catedrático da Universidade Lusófona e orientador da investigação de Jorge Eiras, os meios de socorro existentes na região foram posicionados tendo em conta a distribuição dos habitantes, esquecendo a sazonalidade do turismo. 

Registo de utilizadores 

Os responsáveis pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) consideram que boa parte dos incidentes com pessoas no território se deve à negligência das vítimas. Mas há também quem defenda que faltam avisos, que há trilhos mal sinalizados. Ao PÚBLICO, no final de Agosto, o director do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Norte do ICNF, Armando Loureiro, garantia que “há avisos e recomendações espalhados e diariamente transmitidos aos visitantes pelos funcionários do parque”. E sublinhava que "a adequação de comportamento às condições do meio (montanha e meio natural) só pode ser conseguida se individualmente todos respeitarem normas de conduta”. 

Além de todas as medidas que podem ser tomadas, é preciso insistir no reforço da informação e na sensibilização para "mitigar os públicos mal informados, mal preparados", diz Artur Costa, da Lusófona.  No ano passado, terão passado pelo PNPG, pelo menos, 104 mil pessoas, segundo o número que foi contabilizado junto das cinco portas do parque. Só que há muitas mais entradas para a serra que não estão sujeitas a qualquer controlo.

“O que ali está é um turismo selvagem, sem regras, sem coordenação porque depois faltam os guardas”, critica David Teixeira, vice-presidente da câmara de Montalegre. Tal como os especialistas, também o autarca defende o registo obrigatório dos utilizadores, como já se faz, por exemplo, na Montanha do Pico, nos Açores. O que seria essencial não só para controlar as entradas, mas também para reagir mais rapidamente em caso de acidente, aponta.

Cada visitante poderia, por exemplo, fazer o registo numa plataforma online ou em entradas do parque, sendo munido com um dispositivo com geolocalização, ainda que haja zonas do parque — poucas, dizem os especialistas — que não têm cobertura. David Teixeira defende que deveria ser cobrado um custo “simbólico” para entregar aos visitantes equipamentos de georreferenciação e que o montante arrecadado serviria para investir no território.

Dado este passo, a fiscalização teria de ser reforçada. Seria, contudo, preciso criar um regulamento para a protecção de pessoas e bens, que estabelecesse regras a cumprir e coimas para quem circulasse sem o respectivo registo. Em contraponto, Jorge Eiras considera que, "antes de pensar em cobrar, é preciso educar as pessoas para o meio natural".

De acordo com Armando Loureiro, existem pelo PNPG, que se estende por cinco concelhos de três distritos, 19 vigilantes da natureza e 60 agentes florestais. Mas Artur Costa defende que o ICNF devia ter mais guardas de natureza. "Devia haver postos de informação, uma série de coisas que não existem", aponta ainda.

Os municípios poderiam ter aqui um papel a desempenhar, caso o ICNF transferisse competências de fiscalização para os poderes locais. “O ICNF é um braço operacional. É necessário garantir que a entidade gestora do parque faça essa aproximação às autarquias e que dialoguem de uma forma útil, o que nem sempre tem acontecido nos últimos anos”, salienta. No entender do professor da Lusófona, o ICNF e as autarquias precisam de se aproximar, já que os municípios podem ter meios que o instituto não tem. São necessários, por exemplo, mais postos de informação, que, sugere o professor, poderiam ser administrados pelas autarquias. 

O turismo como oportunidade de negócio

Dada a diversidade de trilhos que existem pelo parque, tanto os especialistas como o autarca de Montalegre acreditam que há ali uma oportunidade de negócio, já que estes percursos poderiam ser transformados em "produtos turísticos", para que as pessoas não se aventurassem nas caminhadas sem um guia.

Para David Teixeira, este não é um trabalho difícil de se fazer. É sim “ambicioso”, mas acredita que poderia gerar postos de trabalho, assumindo ainda que os municípios estariam para gerir estas actividades turísticas dentro do parque.

Seria sempre necessária uma autorização do ICNF, para que não se pusesse em risco o património natural do território. O autarca diz que é preciso olhar para o parque como “uma pérola que pode ser uma âncora de um desenvolvimento sustentável da região e que não pode ser desvalorizado desta forma”. E que "têm reclamado" junto do ministro do Ambiente para "ter capacidade de decisão na gestão do parque".

"Neste momento não temos nenhuma competência. Nós queremos investir, mas com a noção de que há um retorno para as pessoas da região. E é possível criar empregos com a visitação do parque nacional, o que não está a ser aproveitado”, defende o autarca de Montalegre.

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