E se a tua lista de compras fosse livre de plástico?

A luta contra o plástico está na moda. Mas, em Portugal, é possível vencê-la? O P3 falou com quem o faz há anos, com quem começou agora e foi à procura das lojas que o tornam possível.

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A Maçaroca nasceu há menos de um ano no Porto André Rodrigues
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Maçaroca André Rodrigues
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Maria Granel Guilherme Marques

Pesar e comprar fruta e legumes sem sacos de plástico, comprar líquidos em embalagens de vidro, reutilizar esses frascos para comprar mercearia seca a granel e apostar nos produtos de higiene sólidos. Em Portugal, já é possível reduzir drasticamente o plástico na despensa lá de casa sem grande dificuldade. As lojas a granel continuam a nascer como cogumelos, os mercados e as feiras de frescos estão na moda e várias marcas portuguesas de higiene e cosmética oferecem uma panóplia de alternativas ecológicas online. Hoje, comprar sem plástico é mais uma questão de tempo e vontade do que de dinheiro.

Neste mês, o Parlamento Europeu aprovou uma proposta que prevê a proibição da venda de alguns produtos de plástico de utilização única na União Europeia a partir de 2021. Mas, em Portugal, já há quem lhe feche as portas de casa há algum tempo.

Corria o ano de 2016 quando Ana Milhazes começou a olhar para o lixo que produzia com mais atenção. “Era demasiado” — e isso começou a inquietá-la. Então, pesquisou soluções e deparou-se com o Zero Waste Home, o blogue da americana Bea Johnson, que pouco depois se transformou num best seller. Identificou-se com a apologia de um estilo de vida mais minimalista e começou “a seguir à risca” as dicas de Johnson. Mas não o quis fazer sozinha. Por isso, a portuense de 33 anos criou o grupo no Facebook Lixo Zero Portugal e começou a partilhar (e a receber) dicas de quem tinha o mesmo objectivo.

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Ana Milhazes, de 33 anos, é a fundadora do grupo no Facebook Lixo Zero Portugal André Rodrigues

Não tardou a mudar radicalmente os hábitos. Procurou as lojas tradicionais no Porto que vendiam a granel e passou a encomendar, como ainda hoje faz, um cabaz semanal de frutas e legumes a um casal de amigos agricultores (e produtores biológicos certificados), no Jardim Húmus. Foi também lá que começou a entregar o lixo que fazia — restos de comida, cascas e caroços —, aproveitado na horta para compostagem.

Rafaela Santos iniciou-se na luta contra o plástico mais recentemente, influenciada pelas notícias que lia. Segundo o Relatório do Estado do Ambiente, publicado pelo Portal do Estado do Ambiente, em 2017 cada português produziu 483 quilos de lixo, o que dá, em média, 1,32 quilos de lixo por dia. “Esta questão é muito desvalorizada aqui, porque vivemos numa zona do mundo privilegiada e não vemos as consequências [do consumo de plástico]. O nosso mar está limpo, as nossas ruas estão limpas. Por isso, não queremos saber se no meio do Pacífico existem ilhas cobertas de lixo de plástico a poluir, a matar espécies”, argumenta.

Meio ano depois de ter começado, a jovem de 21 anos que vive em Barcelos já conseguiu reduzir para mais de metade a quantidade de plástico que atira para o balde do lixo. “E sem mudar drasticamente os meus hábitos”, contou ao P3. Resumidamente, substituiu os supermercados pelas feiras e mercados locais e leva os sacos de pano e frascos de vidro para todo o lado. O que não arranja lá, compra online.

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Não é por estar longe de uma grande cidade que Rafaela Santos, de 21 anos, não consegue reduzir o plástico DR

Mas mesmo para quem faz compras nos supermercados convencionais, prescindir dos sacos e embalagens de plástico não tem de ser um bicho-de-sete-cabeças. Nos casos em que é possível pesar os alimentos na caixa, levar de casa um saco de pano ou rede para recolher as frutas e os legumes é uma opção viável. Quanto aos produtos de origem animal, também há solução, revela Ana Milhazes: “É possível levarmos as nossas caixas de vidro para o talho ou para a peixaria e pedir para trazer a carne ou o peixe nas nossas embalagens. O mesmo acontece com o queijo e fiambre. Pesam os produtos e depois colam a etiqueta com o preço na nossa caixa.” A ambientalista portuense é vegetariana, mas conta que, no grupo do Facebook que criou, já há quem use esta técnica no dia-a-dia, apesar da pontual contrariedade dos funcionários.

De referir que alguns supermercados, como o Jumbo e o Lidl, já vendem produtos avulso, mas continuam a impôr o uso de um saco de plástico para a pesagem. E é aí que as mais de 100 lojas a granel espalhadas pelo país se destacam.

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André Rodrigues

A Maria Granel foi a primeira zero waste store a nascer em Portugal. Abriu há dois anos, em Alvalade, Lisboa, e tal como o nome e o “título” indicam, tem como prioridade vender mercearia biológica a granel, tentando gerar o menor desperdício possível na cadeia comercial — quer seja no transporte dos produtos pelos fornecedores, quer seja na apresentação dos mesmos ao público. Por essa razão, incentivam os clientes a trazerem de casa os sacos de pano e frascos de vidro para se abastecerem com as sementes, cereais, frutos secos e leguminosas que estão armazenados em dispensadores individuais.

Neste ano, nasceu uma nova loja em Campo de Ourique, com um piso totalmente dedicado à casa, com acessórios, detergentes e produtos de beleza a granel. Na área dedicada à casa de banho, encontram-se champôs, sabonetes e dentífricos sólidos (todos da marca portuguesa Organii Bio), mas também giletes, escovas de dentes e cotonetes em bambu, pensos higiénicos reutilizáveis e copos menstruais. Na área da cozinha, estão alguns dos produtos mais vendidos da loja, como o substituto da película de aderente — o Bee’s warp, feito em tecido de algodão biológico com cera de abelha que pode durar até um ano — e o saco de congelação reutilizável, feito de 100% silicone. Tudo isto pode também ser encontrado na loja online da marca, que já conta com 120 produtos. “Para a expedição, reutilizamos as caixas dos fornecedores e até a fita adesiva que usamos é de papel e sem solventes. Tudo é expedido sem plástico e em caixas que estão a ter uma segunda vida”, explica Eunice Maia, sócia-fundadora da Maria Granel.

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A Maria Granel abriu há dois anos em Alvalade Guilherme Marques

Comprar a granel é fácil... menos o arroz

Sempre que precisam de comprar produtos embalados, Ana e Rafaela optam pelo cartão ou, se possível, pelo vidro — a melhor opção, visto que depois podem reutilizar os frascos para comprar granel ou até para armazenar comida no frigorífico. No entanto, a ambientalista portuense tem uma pequena lista de produtos com plástico de que ainda não se conseguiu livrar. Coisas simples como: a embalagem das lentes de contacto e a embalagem do líquido para as lentes; a ração do cão; e — por muito insólito que pareça — o arroz.

No final de 2017, o Governo actualizou o decreto-lei que regula a comercialização da espécie de arroz mais comum — Oryza sativa L — e passou a proibir a venda a granel: “O arroz e a trinca de arroz destinados ao retalho são obrigatoriamente pré-embalados.” Neste ano, a ASAE apreendeu 1200 euros de arroz, numa operação que visou a venda de alimentos a granel. Na altura, Carmen Lima, da Quercus, disse à Lusa que, quando se pretende reduzir o consumo de embalagens, principalmente de plástico, “a penalização da comercialização de produtos a granel levanta dúvidas”.

Eunice, da Maria Granel, reforça a incoerência: “É uma situação caricata, porque o mesmo Governo que está a lutar contra o plástico e os descartáveis, em linha com a directiva europeia, impõe a pré-embalagem do arroz.” E adianta que Portugal está “muito atrás” de países como Inglaterra e os Estados Unidos, onde até já é possível “vender azeite, vinagre, licor a granel”: “Não podemos continuar a reger-nos por uma legislação que se aplicava às antigas mercearias e à forma de exposição mais tradicional, distante da revolução que o granel está a sofrer em todo o mundo.”

A venda de farinhas de grãos ou cereais a granel também está interdita, por uma lei com 15 anos. A do café tem restrições bastante apertadas que, no entanto, a mercearia portuense Maçaroca conseguiu contornar. Para tal, compraram uma máquina para torrar e outra para moer os grãos. O tipo de café é escolhido pelo cliente e a moagem é feita na hora. E porque nem todos têm uma máquina de café tradicional em casa, a loja está, neste momento, a tentar arranjar cápsulas reutilizáveis, que podem ser enchidas com o café da Maçaroca. Mas a principal atracção da loja, que nasceu há menos de um ano em Ramalde, no Porto, é outra: tem uma máquina que faz manteiga de amendoim, de amêndoa ou de uma mistura de frutos secos na hora (1,60 euros por cada 100 gramas) e sem qualquer aditivo. É só trazer um frasco de casa, carregar no botão e encher.

De fora, a Maçaroca não aparenta a dimensão que tem. Habitualmente com várias bicicletas estacionadas à porta, a mercearia de produtos biológicos certificada vende 4000 artigos diferentes e 600 são a granel. À entrada, vemos logo uma montra recheada de fruta e legumes frescos. Lá atrás, depois de corredores recheados de produtos alimentares, de higiene e até de maquilhagem, esconde-se uma cafetaria vegan. O granel — de mercearia seca e detergentes — fica no piso de baixo.

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José Peixoto é um dos sócios da Maçaroca André Rodrigues

Com a abertura do espaço, os três fundadores queriam que as pessoas pudessem comprar tudo o que precisam para a despensa e restante casa sem terem de correr várias lojas diferentes, explica José Peixoto, sócio-gerente. A grande aposta foi na zona dos frescos, que “era feita muito a medo” nas lojas de produtos biológicos que José conhecia.

Tal como a Maria Granel, tentam aproximar-se do desperdício zero — por exemplo, a loja oferece os frascos de vidro — já higienizados — dos produtos que utiliza na cafetaria para os clientes os reutilizarem na compra a granel. E, apesar de existirem vários embalados expostos na loja, José explicou ao P3 que está a ser feito um esforço para converter o que for possível em granel.

Uma casa de banho amiga do ambiente

Tanto Ana como Rafaela conseguiram eliminar praticamente todo o plástico das casas de banho, quer através de compras online, quer através de compras em lojas físicas.

A Saponina, em Lisboa, oferece as duas opções. A marca vegan, biológica e zero waste foi a primeira em Portugal a ter uma linha de higiene completa em versão sólida (ou seja, sem qualquer embalagem), que incluía champô, dentífrico, desodorizante e sabonete (17,40 euros). Hoje, também vende amaciador. A criadora é Liliana Dinis, que trabalha na área da cosmetologia há cerca de 20 anos e que tem marcas como a Clarins, a Shiseido ou a Carita no currículo. Começou a desenvolver produtos vegan e com ingredientes biológicos para tratar a pele atópica da filha, recusando as soluções químicas e corticóides que os dermatologistas lhe recomendavam e, no ano passado, em Agosto, fez disso profissão.

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Todos os produtos da Saponina nascem das mãos de Liliana Dinis DR

O Instagram e o Facebook funcionam como montra do trabalho da Saponina e é através destas redes sociais, ou via e-mail, que os clientes fazem os pedidos ou pedem mais informações sobre os produtos — todos eles nascidos das mãos de Liliana. A maioria não necessita de embalagem. Mas aqueles que precisam (como bálsamos para bebé ou óleos corporais) estão guardados em pequenos frascos de vidro fechados por cortiça portuguesa. O desperdício zero é uma das prioridades, conta a fundadora da marca: “Todos os meus produtos têm apenas uma faixa de papel com a informação acerca dos ingredientes. Quando são enviados para fora, vão em pequenos pacotes de papel kraft e dentro de caixas de cartão que outras empresas iriam deitar fora. Quem me visita já traz os sacos de pano, os frascos de vidro e dispensa as embalagens.” Apesar de trabalhar “com margens de lucro pequeninas”, Liliana diz que tem alcançado a meta do projecto — “produzir produtos com um preço justo e tornar o biológico e o zero waste acessíveis a qualquer pessoa”.

Recentemente, a Renova também teve em conta a mesma preocupação e decidiu lançar uma linha de papel higiénico reciclado com um invólucro de papel, ao invés da habitual embalagem de plástico. Isto depois de Ana Milhazes e outros membros do grupo Lixo Zero terem enchido a caixa de correio da marca com pedidos. Ainda assim, adianta a jovem portuense, “não é uma alternativa viável economicamente”: o artigo já está disponível tanto na Maçaroca (quatro rolos a 1,99 euros) como na Maria Granel.

Ana admite que, por vezes, as alternativas ao plástico são mais caras. Mas nem por isso passou a gastar mais dinheiro nestes dois anos de experiência: “De uma forma geral, aquilo que notei com as mudanças que fiz é que poupo muito mais dinheiro porque reduzi muito o consumo. Uma pessoa começa a ver que não precisa de comprar mil e um produtos diferentes, porque a maior parte dos produtos têm mais do que uma função, como é o caso do óleo de côco, que uso para cozinhar e para hidratar a minha pele.” A longo prazo, adiante a ambientalista, “também há uma redução nas despesas da saúde”, visto que, ao deixar o plástico, “somos quase obrigados a abandonar os processados” e a ter uma alimentação mais saudável.

O discurso de Rafaela é consonante: diz que começou a comprar menos e melhor. Acrescenta ainda que não acha que estar longe de uma grande cidade seja um obstáculo. Pelo contrário: “Há mais mercados locais e feiras em que os plástico não engoliu os alimentos, como nas grandes superfícies, e também não sou bombardeada com uma variedade infinita de produtos muitas vezes, desnecessários.” Largar o plástico “não é assim tão difícil”, comenta. Mas é preciso ter vontade para dar o primeiro passo.

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