Trump quer cortar direito à cidadania aos filhos de imigrantes sem documentos
Presidente dos Estados Unidos disse que vai mudar a lei com um decreto presidencial. Mas a decisão deverá ser contestada nos tribunais, já que a maioiria dos especialistas a considera inconstitucional.
O Presidente dos Estados Unidos disse que vai assinar um decreto para que não seja possível conceder o direito à cidadania aos filhos de imigrantes em situação ilegal que nasçam no país. A medida está a ser vista como mais um esforço de Donald Trump para mobilizar a sua base de apoio a uma semana das eleições para o Congresso, e deverá ser contestada nos tribunais.
O anúncio foi feito durante uma entrevista ao site Axios, gravada na segunda-feira e transmitida, em parte, esta terça-feira.
Questionado sobre a hipótese de pôr fim àquele direito sem que seja necessária uma alteração à Constituição, Donald Trump disse que está a trabalhar no assunto e que isso "vai acontecer".
"Isso pode ser feito pelo Congresso, mas agora dizem-me que pode ser feito apenas com um decreto presidencial", disse Trump, referindo-se a um parecer dos conselheiros da Casa Branca para questões jurídicas.
Em causa está o texto da 14.ª Emenda da Constituição norte-americana: "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do estado em que residem."
Esta emenda foi ratificada em 1868, no meio das discussões para a reconstrução do país após a Guerra Civil, entre 1861 e 1865. O objectivo era que os negros – nascidos no território dos Estados Unidos ou levados para o país – pudessem ser considerados cidadãos de pleno direito.
O que dizem os críticos desta interpretação é que a 14.º Emenda só deve abranger os filhos de imigrantes que já tenham recebido autorização de residência permanente – deixando de fora os filhos dos imigrantes sem documentos e em situação ilegal no país.
Em Julho, um antigo membro da equipa de segurança nacional da Administração Trump, Michael Anton, escreveu um texto no jornal Washington Post a defender esta versão, com o argumento de que o texto da 14.ª Emenda é interpretado de uma forma errada em relação ao seu objectivo original.
"O propósito daquela emenda era o de resolver a questão da cidadania para os escravos recém-libertados. Após a Guerra Civil, o Sul insistia em que os estados tinham o direito de lhes negar a cidadania. E citavam a lamentável decisão Dred Scott v. Sandford, segundo a qual nenhum americano negro poderia vir a ser cidadão dos Estados Unidos."
Por isso, diz Michael Anton, "era preciso aprovar uma emenda constitucional para reverter a decisão Dred Scott e definir o significado preciso da cidadania americana". Mas essa definição, plasmada na 14.ª Emenda, diz apenas respeito "a quem aceitou os termos da autoridade e do alcance do contrato social, e cuja participação foi aceite por todos os outros cidadãos-membros", diz Anton. Ou seja, segundo este entendimento, só os filhos de quem já tem alguma forma de ligação ao país poderão ser considerados cidadãos de pleno direito.
Para complicar ainda mais o caso, o Supremo Tribunal nunca se pronunciou sobre esta questão em particular – houve uma decisão, em 1898, mas o caso só dizia respeito aos filhos dos residentes nos Estados Unidos em situação legal.
Ainda assim, a maioria dos especialistas em Direito considera que uma alteração por decreto presidencial seria inconstitucional. E os dois juízes nomeados por Trump para o Supremo Tribunal já indicaram – de acordo com um entendimento de princípio sobre a Constituição – que podem travar a interpretação feita pelo Presidente.
No ano passado, durante as audições no Senado após a sua nomeação, o juiz Neil Gorsuch disse que "um bom juiz parte do precedente e não reinventa a roda", em resposta a questões precisamente sobre a 14.ª Emenda.
"Por isso, na medida em que há decisões sobre esses temas – e há –, um bom juiz respeita o precedente", disse Gorsuch.
E são conhecidas as declarações do juiz Brett Kavanaugh em defesa do mesmo respeito pelos precedentes – uma questão a que teve de responder várias vezes durante as suas audições, lançadas por um Partido Democrata receoso de ver revertidas leis como a legalização do aborto, por exemplo.
Durante a mesma entrevista ao site Axios, o Presidente Trump disse também que os Estados Unidos são "o único país do mundo em que uma pessoa chega, tem um bebé, e esse bebé é um cidadão por 85 anos, com todos os benefícios".
Mas esta declaração não está correcta. Há pelo menos 33 países onde o direito à cidadania é concedido à nascença a filhos de imigrantes em situação ilegal, e sem restrições, incluindo o Canadá, Argentina, Brasil, México ou Uruguai.