O streaming e a nossa impaciência tornaram a música pop, e até Bach, mais rápidos?
Nos últimas décadas, novas formas de consumo como o streaming encurtaram as introduções instrumentais das canções pop. E puseram os intérpretes a tocar Bach mais depressa, dizem dois estudos.
O streaming e a impaciência dos ouvintes tornaram a música mais rápida nas últimas décadas – na pop, diminuíram-lhe as introduções instrumentais para a voz chegar mais cedo, na clássica, as gravações de Bach mostram como em 50 anos foram aparados largos segundos das suas interpretações.
Um estudo das editoras Decca e Deutsche Grammophon por ocasião do 333.º aniversário do nascimento de J. S. Bach, divulgado esta semana, mostra que os registos do Concerto para Dois Violinos em Ré Menor do compositor alemão têm sofrido alterações de monta desde a década de 1960. As gravações estão um minuto mais rápidas, ou mais curtas, tendo-se contraído a um ritmo de um minuto por década, e as mais recentes apararam um terço da duração dos registos homólogos de há 50 anos.
Exemplifique-se: em 2016, a gravação do Vivace do Concerto para Dois Violinos em Ré Menor por Nemanja Radulovic & Tijana Milosevic tinha dois minutos e 56 segundos; quando David e Igor Oistrakh registaram a mesma peça em 1961, ela tinha uns langorosos quatro minutos e 15 segundos. No total, a gravação dos Oistrakh (pai e filho) tem 17 minutos. Em 1978, outra interpretação já dura 15 minutos, enquanto a mais recente que serviu de base ao estudo, de 2016, tem uns velozes 12 minutos.
Esta aceleração, ou encurtamento, parece condizer com os resultados de um outro estudo, de 2017, que concluía que a pop mais ouvida e comprada também estava mais rápida e ansiosa por chegar ao fulcro de cada canção. Em 2017, um estudo do investigador canadiano Hubert Leveille Gauvin, Drawing listener attention in popular music: Testing five musical features arising from the theory of attention economy, chegava às páginas da revista científica Musicae Scientiae anunciando que as músicas mais populares das últimas três décadas diminuíram o tempo de introdução instrumental e aceleraram o seu ritmo.
O investigador da Ohio State University, que está a trabalhar no seu doutoramento, analisou os Top Ten da tabela Billboard dos mais vendidos no final de cada ano entre 1986 e 2015. Esses 30 anos demonstraram que o formato-tipo dos temas e até o seu ritmo aceleraram e diminuíram. O académico, que se tem dedicado a cruzar os dados e a informação estatística com a produção musical em diferentes áreas, dizia à agência AFP no ano passado que não acredita que por trás deste fenómeno existam regras conscientes de composição que os músicos estejam a seguir, mas sim uma evolução das convenções da composição musical. “Acho que é parcialmente voluntário, mas penso que é simplesmente uma adaptação ao ambiente, quer se esteja ciente disso ou não”, defendia.
O estudo estabelecia uma ligação entre o streaming e os novos hábitos de consumo de música e estas mudanças, que fazem com que a conhecida música dos anos 1980 Nothing’s gonna stop us now demore 22 segundos para mostrar a voz dos cantores e mais de um minuto para atingir o refrão e com que em 2015 os Maroon 5, fazedores de êxitos orelhudos, já tenham Adam Levine a cantar aos sete segundos em Sugar. “O espectro de atenção diminuiu e isso está potencialmente ligado à facilidade com que se pode cortar e mudar músicas se se estiver entediado”, dizia na altura o produtor Mark Ralph à BBC.
Se em 1986 a introdução instrumental durava, em média, 23 segundos, em 2015 a voz surge logo aos cinco segundos de uma canção muito popular, concluiu o estudo. “Se o ambiente é tão competitivo, faz sentido que os artistas queiram agarrar a nossa atenção o mais rápido possível”, dizia Hubert Leveille Gauvin à AFP. Afinal, o Spotify mostrava em 2014 que 21% dos seus utilizadores saltavam de música cinco segundos após uma audição. “Imagine-se tentar fazer isso com um vinil: se se ficar enfadado depois de dez segundos, é preciso tirá-lo do gira-discos, encontrar outro disco, colocá-lo e começar tudo outra vez num processo bastante longo”, exemplificava Ralph na BBC. Num serviço de streaming ou no YouTube, um clique muda tudo. “A música pop acompanha a evolução da sociedade em geral: tudo é mais rápido”, dizia há dois anos o produtor e compositor Max Martin, um dos responsáveis por êxitos como Can’t feel my face, de The Weeknd, ou o lançamento de Britney Spears com …Baby one more time.
No caso do estudo mais recente, debruçado sobre a música clássica, ele foca-se apenas em Bach e os especialistas relativizam a possibilidade de a tendência se expandir a outros compositores, mas admitem que os públicos “parecem preferir um som transparente, leve e luminoso" que pode funcionar com "Bach, Handel e Mozart”, divergindo da preferência anterior “por um estilo de concerto algo pesado”, contextualiza na Rolling Stone o académico britânico Nicholas Kenyon.
A mesma ponderação é devida quanto ao estudo sobre a pop dos últimos 30 anos. Abrange sobretudo música popular e/ou hip-hop e r&b, não sendo comum nas tabelas dos dez mais vendidos a presença de indie rock ou de outros estilos musicais, nem de expressões pop ou do hip-hop menos mainstream. E há já notórias excepções – a música que em 2012 acabou o ano no número 1 da Billboard, Somebody that I used to know, de Gotye, tem uma introdução à boa e velha moda antiga com 20 segundos de puro instrumental; e Despacito, o fenómeno de 2017 que pela primeira vez desde Macarena pôs a língua espanhola no cimo do top da Billboard, demora 29 segundos até se ouvir o primeiro “Ay”.
Despacito é também exemplar de outra tendência revelada em 2017 pela Rolling Stone – em contraciclo com as estatísticas do investigador canadiano, e a partir de conversas com produtores e de uma análise das 25 músicas mais populares no Spotify em 2012 e depois em 2017, concluía-se que o ritmo baixou em média 23 bpm (batidas por minuto) e que o número de canções com um ritmo acima dos 120 bpm caiu bastante, dos 56% em 2012 para os 12,5% em 2017. A influência do hip-hop é tida como central nessa média.