Marcelo adverte para "o risco de a crise de sistema político chegar a Berlim"
Presidente da República pediu "outro dinamismo" aos defensores do projecto europeu.
O Presidente da República advertiu nesta segunda-feira para "o risco de a crise de sistema político chegar a Berlim" e considerou que há uma "tentativa de Paris recuperar o protagonismo baseado no protagonismo apenas de uma personalidade".
No dia em que a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou que não se recandidatará à presidência do seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), e que este é o seu último mandato como chefe de Estado da Alemanha, Marcelo Rebelo de Sousa pediu "outro dinamismo" aos defensores do projecto europeu.
Num lançamento de um livro sobre a Europa, em Lisboa, o chefe de Estado manifestou a esperança de que o atual quadro marcado por "radicalismos" não termine "numa guerra ou numa crise financeira e económica" alargada, como aconteceu há um século - cenário a que tem feito referência nos últimos meses, com destaque para o seu discurso do 5 de Outubro, centrado nas lições da história dos últimos cem anos.
"Estamos muito longe do fim desse ciclo. E esperemos que não tenha de terminar como normalmente terminam esses ciclos, numa guerra ou numa crise financeira e económica tão grave, tão extensa, tão ampla que ultrapasse aquilo que alimenta esses radicalismos, que é o alimentarem-se da própria crise, atribuindo a responsabilidade a terceiros. Foi assim que eles cresceram há cem anos. É assim que eles podem voltar a crescer novamente", alertou.
O Presidente da República deixou estas mensagens durante a apresentação de um livro sobre O Futuro da Europa, dos professores universitários Fausto de Quadros e Dusan Sidjanski, editado em língua inglesa pela Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, um projecto cofinanciado pela Comissão Europeia.
Num discurso de cerca de vinte minutos, na Aula Magna, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa falou uma vez mais em tom grave sobre o futuro da União Europeia, referindo que a sua "base originária de apoio" entrou em crise, também porque não houve "a pedagogia necessária", e está hoje ameaçada por "movimentos inorgânicos, por partidos radicais, críticos, cépticos, contestatários" do projecto europeu.
A cerca de seis meses das eleições europeias, o Presidente da República reiterou que, no seu entendimento, "a probabilidade de um Parlamento Europeu mais fragmentado é enorme" e "a probabilidade de uma Comissão Europeia mais fraca não é menos acentuada". Neste contexto, insistiu em decisões rápidas até lá, embora antevendo que "entendimentos vastos, prévios às eleições, é cada vez mais difícil".
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, "a evolução que, com a crise, já tinha sido da passagem do eixo Paris-Berlim para o eixo Berlim-Berlim, acentua-se agora de uma outra forma, isto é, através da ausência de eixo" político na União Europeia. "Porque, de um lado, encontramos o risco de a crise de sistema político chegar a Berlim. E do outro lado encontramos a tentativa de Paris recuperar o protagonismo baseado no protagonismo apenas de uma personalidade - não de um partido, não de um regime, não de uma história ou de um legado duradouro, não de um sistema político estabilizado", expôs, numa alusão ao Presidente francês, Emmanuel Macron.
De acordo com o chefe de Estado, "o tempo é curto" e a Europa precisa de "protagonistas em condições" de tomar decisões com urgência, a favor do projecto europeu: "Não é possível fazer a Europa com quem não acredita na Europa, isso começou a ser um dos problemas há já alguns anos na construção europeia".
No seu entender, "em Portugal há, continua a haver, um amplo apoio social, económico e político ao projecto europeu e, portanto, Portugal está e estará sempre no núcleo duro da afirmação deste projecto - é preciso é que haja muitos mais nesse núcleo duro". "O tempo dirá se estivemos ou não à altura das circunstâncias, espero bem que sim", concluiu.
À saída da Reitoria da Universidade de Lisboa, em resposta aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa reafirmou que "há hoje numa base fundamental do projecto europeu fragilidades a nível nacional" e apelou novamente à "responsabilidade dos que acreditam na Europa". "O que pensam assim têm de, desde logo, a nível nacional, ter outro dinamismo, ter outra capacidade de chegar às pessoas, ter outra proximidade em relação ao povo, para que o projecto europeu possa continuar e continuar com mais força", considerou.