Brasil: a Injustiça contra a democracia
Se Bolsonaro não for derrotado todos sofreremos. Os brasileiros terão ainda mais razões de revolta contra as injustiças, nós todos porque não haverá um Brasil democrático.
A campanha eleitoral de Fernando Haddad tem-se concentrado na defesa da Democracia, das liberdades, da tolerância e na desmontagem da retórica securitária do candidato neo-fascista. A consciência de que há um risco sério para a Democracia e para o Estado de direito foi, pouco a pouco, impondo-se, mas parece não ser suficiente para derrotar Bolsonaro. E pode não ser suficiente porque muitos dos que nele votam, fazem-no por estarem indignados com a crise económica, com as desigualdades que ela revelou e pelo impacto que teve na qualidade de vida da classe média e dos pobres. E muitos responsabilizam, por tudo isso, a corrupção.
A indignação não é apenas brasileira, é mundial, e tem sido, na maioria dos casos, canalizada pela extrema-direita. A grande recessão de 2008 veio tornar claro que os grandes financeiros, com a conivência e a cumplicidade corrompida dos governantes, fizeram fortunas colossais especulando com as poupanças dos cidadãos. A consciência das desigualdades é um dos fatores que explica o descontentamento com os partidos políticos do centro esquerda e do centro direita e o sucesso dos partidos anti-sistema, incluindo o da extrema-direita neo-fascista.
No Brasil, as consequências da recessão de 2008, fizeram-se sentir de forma mais grave a partir de 2014. A incapacidade do Governo Dilma de lançar um new deal brasileiro, a crise aberta pelo processo de impeachment e o fracasso das políticas de austeridade de Temer, tiveram como consequência o Brasil ter hoje 13 milhões de desempregados, três vezes mais do que há quatro anos.
A corrupção reforça a consciência da desigualdade. Porém, ao dirigir-se o ódio pela corrupção contra os políticos, esconde-se a quem ela serve. Se há corrupção é porque há corruptores, grandes grupos económicos que corromperam a política e os políticos, que, através de doações ilegais para campanhas, colocaram no poder, em Brasília e nos estados da Federação, políticos atentos aos seus interesses.
A questão que os brasileiros antes de votar, indignados com as injustiças e a corrupção, deviam colocar é: qual dos dois candidatos terá mais condições para melhor distribuir a riqueza do Brasil e combater a corrupção?
A violência de seguidores de Bolsonaro, as ameaças contra opositores, jornalistas e contra o próprio Supremo Tribunal, bem como o recurso à mentira como instrumento de campanha, tenderam a relegar para segundo plano a resposta à questão não menos essencial: que interesses representam os dois candidatos?
Haddad representa os sectores sociais-democratas do PT, os que querem uma regulação do capitalismo brasileiro e dar continuidade à política económica de Lula e de Fernando Henrique Cardoso, que retirou 40 milhões de brasileiros da miséria, deu-lhes acesso à educação e à saúde. Mas a política económica seguida não diminuiu substancialmente a desigualdade social , que com a recessão de 2015 se tem vindo a agravar-segundo o Banco Mundial só 10 países são, hoje, mais desiguais que o Brasil.
É compreensível que muitos brasileiros duvidem que “mais um” Presidente do PT possa combater a corrupção, mas há razões para pensar que pode. A corrupção foi o crime de políticos individualmente considerados, num sistema político de pulverização partidária que a facilita. O PT pagou um preço alto, mais alto ainda pagaram o PSDB e o MDB que quase desapareceram. A indignação com a corrupção cria condições para, em Democracia, se fazerem reformas políticas, se criarem mecanismos para a dificultar e para condenar os que se deixam corromper e os que corrompem. Foi a Democracia que permitiu o Lava Jato, na Ditadura militar tal não era, possível, nem passará a ser se for (re)instaurada.
Bolsonaro é um político medíocre que aparece, aos olhos de uma parte da população, como independente dos partidos e dos grupos de interesses que fazem do Brasil um dos países mais injustos do Mundo. Quando Paulo Guedes, o economista de Bolsonaro, ultra neo-liberal, admirador da experiência económica de Pinochet, diz que vai diminuir os impostos para os mais ricos, privatizar as estatais ou reverter conquistas sociais está a refletir os interesses do sector mais retrógrado e ganancioso da burguesia brasileira. O projeto de desmatar ainda mais a Amazónia que agrava o aquecimento global mostra que os interesses dos grandes latifundiários também movem Bolsonaro.
A corrupção não acaba com Bolsonaro, herdeiro do clientelismo dos Coronéis, já está demonstrado, designadamente, pela reportagem da Folha de São Paulo, que revelou o financiamento ilegal da sua campanha por empresários.
A razão por que Bolsonaro não aceita participar em debates televisivos prende-se com a necessidade que teria de expor as sua ideias para a Economia - de que diz nada saber -, o mesmo é dizer, para o futuro do Brasil. Bolsonaro tem medo que o voto dos brasileiros seja um voto esclarecido pelo debate [contraditório], tem medo que os brasileiros descubram o que se esconde por trás da sua violência verbal.
Se Bolsonaro não for derrotado todos sofreremos com isso, os brasileiros que terão ainda razões maiores para se revoltarem contra as injustiças, nós todos porque não teremos um Brasil democrático, empenhado na resolução dos grandes problemas mundiais, mas um “Brasil-problema”, que se poderá transformar numa nova Venezuela.
Nesta segunda volta da campanha tem havido um despertar da consciência sobre o que significaria a vitória de Bolsonaro para a Democracia brasileira, para os direitos das suas gentes, para a convivência pacífica na sua enorme diversidade. Será suficiente? Os democratas pelo mundo fora esperam que sim.
Antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia