Habitação: Bloco diz que adiar para depois do OE impede entrada em vigor em Janeiro, PS garante que não

Lei-travão impede que medidas com impacto orçamental discutidas depois de aprovado o OE2019 possam ter efeito durante a legislatura. Vice-presidente da bancada do PS garante que a verba para benefícios fiscais já consta do orçamento e garante nova lei em vigor a 1 de Janeiro.

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Rui Gaudêncio

Algumas das propostas que estavam a debate no grupo de trabalho da habitação, e cuja votação indiciária estava prevista para esta terça-feira de manhã mas acabou adiada com os votos do PS e do PSD, têm implicações orçamentais. Este adiamento para depois da aprovação do Orçamento do Estado para 2019 vai implicar que, mesmo que venham a ser aprovadas este ano, já não poderão entrar em vigor nesta legislatura, por causa da chamada lei-travão, como alertou, em declarações ao PÚBLICO o presidente da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação (CAOTDPLH), o bloquista Pedro Soares.

Porém, o vice-presidente da bancada socialista, João Paulo Correia, garante que apesar do adiamento os diplomas serão aprovados em Dezembro, a tempo de entrarem em vigor a 1 de Janeiro próximo.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se o PS fará alguma proposta de alteração ao OE2019 para incluir verba para os benefícios fiscais em sede de IRS para os senhorios, o deputado socialista garantiu que "os mapas [do orçamento] já acomodam as propostas dos benefícios fiscais do Governo" previstas nos diplomas da habitação. E salientou que o PS quer separar o processo orçamental, com uma natureza própria, da área da habitação.

"O compromisso é que estas regras estejam em vigor no dia 1 de Janeiro e estará em vigor nessa data", vincou João Paulo Correia. Porém, "hoje não havia certeza de que haveria boas leis para isso", acrescentou o deputado, afirmando que "não há uma necessidade imperiosa de aprovar tudo" a correr" porque se trata de "medidas muito complexas e que carecem de negociação".

PS "não se desvia um milímetro"

Questionado sobre a demissão da deputada socialista Helena Roseta da coordenação do grupo de trabalho, o deputado garantiu que o PS "tem uma agenda e uma política para o sector da habitação e esse compromisso não se desvia um milímetro". 

O deputado do PS reiterou que o partido está "empenhado em fazer boas leis para o mercado do arrendamento", mas admitiu que "é preciso uma maioria que apoie e sustente estas medidas" - algo que não os socialistas não têm em algumas questões. "Vamos continuar a discutir com todos os partidos todas as medidas", prometeu.

"Temos que proteger senhorios e inquilinos mas também remover as graves restrições do lado da oferta que têm evitado que os proprietários ponham no mercado os imóveis, para que a oferta aumente e os preços possam baixar", defendeu o deputado. 

O pedido de adiamento foi feito na reunião do Grupo de Trabalho da Habitação, e as divergências apresentadas desde logo nesta matéria levaram os deputados a concordar que tal decisão não poderia ser tomada no grupo de trabalho, e sempre ratificada numa reunião da Comissão de que ele emana. O presidente da CAOTDPLH admitiu ao PÚBLICO não ter dúvidas de que o pedido de adiamento vai ser aprovado, e lamentou a apresentação deste pedido. "A situação é tão estranha e ao arrepio do trabalho que vinha sendo feito desde Maio que a própria coordenadora do grupo de trabalho, Helena Roseta, apresentou a renúncia ao cargo logo após a votação do requerimento", sublinha Pedro Soares.

“Quando estamos perante uma emergência social [a crise habitacional], o PS decide adiar de novo a legislação. As boas leis não são necessariamente as que demoram muito tempo a serem aprovadas — e este pacote legislativo já vem desde Maio — mas as que conseguem responder no tempo adequado à nossa democracia, às necessidades do país e dos cidadãos”, afirmou.

Pedro Soares diz que o Bloco trabalhou “ao longo destes meses” para procurar consensos à esquerda. “Apresentou iniciativas legislativas próprias, fez propostas de alteração às propostas do Governo, nomeadamente na renda acessível, numa clara disposição para que fosse possível prosseguir com um entendimento no seio da maioria parlamentar também sobre estas matérias tão sensíveis. O PS optou hoje por defraudar este esforço”, criticou.

O CDS veio lembrar que a lei das rendas foi aprovada por sua iniciativa no Governo anterior, mas também foi o primeiro partido a propor alterações a esse regime já nesta legislatura porque entendeu que "havia ajustes e melhoramentos a fazer". As propostas que o partido tem serão levadas a votação porque tenciona mostrar "quem se preocupa" com o que se passa no mercado e quem se preocupa com a táctica política e a politiquice".

O deputado centrista Álvaro Baptista disse que a sua bancada votaria sempre contra as propostas do PS porque os socialistas propõem benefícios em sede de IRS apenas para os contratos de arrendamento acessível ou com mais de 20 anos de duração e o CDS discorda. Os centristas querem reduzir de 28% para 23 para os contratos entre um e cinco anos; 15% para as durações entre cinco e oito anos e de 12% para os contratos de duração superior.

Também o PCP, que desde logo anunciou a sua intransigência em votar a favor da atribuição de benefícios fiscais, admitiu viabilizar o restante diploma se o Governo deixasse cair o Balcão Nacional de Arrendamento. Mas o Governo optou por manter um sistema extrajudicial de resolução de conflitos, propondo a criação de um sistema de injunções, onde também os inquilinos pudessem apresentar reclamações.

A deputada comunista Paula Santos defendeu a necessidade de legislar rapidamente lembrando as muitas famílias que têm contratos a terminar e estão em risco de ser despejadas. "A lei que está em vigor desprotegeu totalmente os inquilinos, facilita o despejo e a liberalização das rendas. Tem levado à não renovação do contrato, e a valores de rendas completamente incomportáveis", afirmou a deputada, defendendo o "direito social e constitucional à habitação".

Sem aproximação, PSD votará contra propostas do Governo

O PSD, que ajudou o PS a aprovar o adiamento, diz ter achado "estranho" o movimento dos socialistas mas aceitou o pedido. Se isso significará outra ajuda, será o que se irá perceber em Dezembro.

O social-democrata António Costa da Silva fez questão de dizer que o PSD "não tem qualquer desconfiança em relação ao Governo", mas critica os "desequilíbrios evidentes" das propostas do PS, em que "desapareceram totalmente as medidas de defesa dos senhorios e ficaram apenas as dos senhorios". Mas avisou que "se não houver aproximação em relação às propostas do PSD, o voto desta bancada será sempre contra". 

“O PS parece querer mudar a agulha e entender-se para as leis da habitação com quem trouxe o país para a crise que se vive no acesso ao direito à habitação, com especial gravidade nos maiores centros urbanos. O resultado advinha-se preocupante”, termina Pedro Soares.

Os bloquistas criticam também a posição do PS, quando refere que as medidas vão a tempo de entrar em vigor em Janeiro, porque em causa estarão propostas apresentadas pelo Governo. “Mas isso significa que todos os outros partidos que apresentaram propostas e têm estado disponíveis para discutir, vão ser desprezados? Todo este processo é lamentável”, conclui.

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