Dois directores do Hospital de São João demitem-se. Este ano já são "mais de cem"

Administração não comenta as saídas. Dirigente de sindicato diz que os pedidos de demissão "já ultrapassam uma centena" este ano. "Nem no tempo de Leonor Beleza se viu uma coisa assim", afirma Roque da Cunha.

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Paulo Pimenta

Dois directores do Centro Hospitalar de São João, do Porto, pediram a demissão dos cargos que ocupavam. O conselho de administração do hospital não comenta nenhuma das demissões e os dois directores de serviço que o PÚBLICO contactou também se recusaram a revelar as razões pelas quais se demitiram.

Estes pedidos somam-se às demissões em bloco de médicos em cargos de chefia que têm vindo a acontecer em vários hospitais ao longo deste ano e que o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos  (SIM), Jorge Roque da Cunha, calcula ultrapassarem já "mais de uma centena". Só no hospital de Gaia pediram a demissão em Setembro 52 directores e chefes de serviço, recorda Roque da Cunha, lembrando que a nova secretária de Estado da Saúde, a médica Raquel Duarte, se antecipou aos colegas e pediu para deixar de dirigir a Unidade de Gestão Integrada do Tórax e Circulação deste hospital em Março, por falta de condições de trabalho.

Quanto ao hospital de São João, o primeiro médico a bater com a porta foi o director do Serviço de Cirurgia Plástica, Álvaro Silva. Ter-se-á demitido devido à falta de condições para continuar a gerir o serviço e para aplicar a rede de referenciação hospitalar naquela unidade.

Já o director do Serviço de Anestesiologia, João Viterbo, demitiu-se na semana passada, tendo a decisão sido comunicada aos médicos numa reunião relâmpago que demorou um minuto.

Fontes hospitalares contaram ao PÚBLICO que a situação no Serviço de Anestesiologia é há muito tempo considerada “insustentável”, dando origem a “muitas desavenças” e “discussões internas”. Ainda na semana passada, “houve uma cena no bloco operatório, uma situação que se tem repetido com bastante frequência”, disse fonte clínica.

“João Viterbo demitiu-se por não ter condições para gerir o serviço”, declarou a mesma fonte. Em causa estará também o facto de a administração pressionar os médicos quanto a metas que não conseguem alcançar, nomeadamente relativas ao número de cirurgias. À frente do serviço há 11 meses, João Viterbo foi escolhido pelo director clínico, José Artur Paiva, para ocupar aquelas funções, apesar de não ser chefe de serviço na altura em que foi designado.

O Centro Hospitalar de São João não promoveu um concurso como seria de esperar para que a vaga fosse preenchida, tendo optado pela “manifestação de interesse”. O decreto-lei n.º 18/2017, de 10 de Fevereiro, no seu artigo 28.º é claro relativamente a esta matéria: “Os directores de departamento e de serviço de natureza assistencial são nomeados de entre médicos, inscritos no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos correspondente à área clinica onde vão desempenhar funções e, preferencialmente, com evidência curricular de gestão e com maior graduação na carreira médica”.

Sucede que João Viterbo tinha à sua frente dois especialistas mais qualificados e ambos eram chefes de serviço. Um dos médicos que foi preterido tem 12 anos de direcção de serviço e o curso de director de serviço pela High Quality Advanced Physician Training Research.

O PÚBLICO questionou a administração do hospital sobre esta opção e a escolha de João Viterbo para o lugar, mas o centro hospitalar não quis comentar.

Mais demissões

Antes deste último caso e da demissão em bloco no hospital de Gaia, tinham-se sucedido movimentos idênticos nos centros hospitalares de Tondela-Viseu e no de Lisboa Central (este integra o hospital S. José), além do hospital Amadora-Sintra. As razões são semelhantes: falta de recursos humanos, de equipamento e de condições de trabalho.

No Centro Hospitalar Tondela-Viseu foi em Maio passado que mais de 30 dezenas de directores e coordenadores de serviço apresentaram uma carta de demissão, por causa da degradação das condições de trabalho devido à falta de investimento.

No início de Julho, foi a vez de os chefes de equipa de medicina interna e cirurgia geral do Centro Hospitalar de Lisboa Central (que integra o hospital de S. José e outras cinco unidades, nomeadamente a Maternidade Alfredo da Costa) avançarem com medida semelhante, depois de terem enviado duas cartas à administração em que questionavam as más condições da urgência e a falta de profissionais.

Uns dias depois, em 11 de Julho, os chefes de equipa de ginecologia e obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa seguiram o exemplo dos colegas e fizeram chegar à administração o pedido de demissão, alegando que estavam exaustos e que faltavam profissionais. Na altura, a administração garantiu que a situação estava ultrapassada.

Em Agosto, foi a vez de os chefes de equipa do serviço de urgência de obstetrícia e ginecologia do hospital Amadora-Sintra concretizaram o pedido de demissão que tinham apresentado uma semana antes. Em causa, mais uma vez, estava a falta de recursos humanos.

"Nem no tempo de Leonor Beleza se viu uma coisa assim. Politicamente, estes pedidos de demissão são um grande sinal", defende Roque da Cunha, que nota que falta ainda juntar a este número casos idênticos ocorridos na Guarda — em Setembro, três directores de serviço (um da área cirúrgica, outro coordenador de blocos operatórios e um terceiro da cirurgia de ambulatório) — e ainda "em Vila Real". 

Estes pedidos de demissão, enfatiza, acabam por ter uma carga "sobretudo simbólica porque, apesar de estarem demissionários, os médicos não se podem ir embora, só podem sair quando forem substituídos".

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