É um passo significativo para a democratização do ensino superior, este da descida da propina, e constitui o resultado de muita luta estudantil que nunca cessou, apesar de todos os discursos das inevitabilidades. Não pode, porém, ser um motivo de festejo eufórico por parte dos estudantes.
É por demais evidente que a luta anti-propinas nunca foi entendida por quem agora desce o seu valor — e convém dizer que foram os mesmos que a colocaram em subida vertiginosa nos anos 90. Será sensato acautelar o facto de que um valor que esteja em determinado momento susceptível de descida pode, num outro, ser alvo de subida. É esta a realidade que os estudantes querem ver alterada, no sentido de não serem admitidas surpresas que os venham a penalizar no futuro. Quando digo que esta luta nunca foi entendida, digo-o porque, mais do que o valor da propina, o que sempre esteve em causa foi a sua existência, o significado ideológico e o que representa na vida democrática do ensino em Portugal.
A propina nasce no enquadrar do ensino numa lógica de utilizador pagador, onde um serviço é prestado mediante uma contrapartida pecuniária. Esta lógica, que mais não é do que a lógica do mercado de capitais, tem turvado a visão dos sucessivos governos que teimam em não considerar o ensino superior como uma responsabilidade sua e, com numerosas tentativas de auto-desresponsabilização, tentam a transformação de universidades em fundações, ou, como agora se diz: em business schools.
É importante perceber que o problema das propinas é indissociável da raiz e do fundamento de um ensino superior público, democrático de qualidade e para todos. Mais do que a sua redução, é importante eliminar esta taxa do vocabulário nacional, porque ela constitui um limite, um entrave ao ensino superior, entrave esse baseado única e exclusivamente nas condições sócio económicas das famílias portuguesas.
A Constituição da República Portuguesa consagra um ensino democrático, de acesso igual e tendencialmente gratuito, o que não se compagina com a existência de uma propina que limita propositadamente o acesso ao mesmo. Mas, mais do que limitar, perpetua a condição socioeconómica de quem não tem poder económico suficiente para adquirir uma formação social, comprometendo assim a mobilidade social e o esbatimento das desigualdades entre classes.
Quero salientar que esta redução do valor das propinas não pode deixar se ser vista como um passo positivo. No entanto, está longe de ajudar na materialização prática dos comandos constitucionais, que aponta para um ensino superior diferente, numa sociedade, também ela, diferente.
A luta pelo fim das propinas é tão antiga quanto as próprias e não deixará de existir enquanto aquelas não sucumbirem para dar lugar a um ensino superior justo. Acredito que será possível uma universidade sem classes, onde não existam lugares reservados nem preconceitos económicos.
Em suma, a propina é um mal em si própria, está errada e não deveria existir. Num país democrático, a igualdade não paga imposto.