António Costa castiga Pedro Nuno Santos
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tem mais influência e peso político do que vários ministros do Governo têm ou tiveram.
Na remodelação ampla feita por António Costa há uma mudança que surpreende, precisamente por não ter acontecido: a promoção de Pedro Nuno Santos a ministro dos Assuntos Parlamentares.
Era uma promoção merecida. Era até uma recompensa devida. Afinal, Pedro Nuno foi ao longo de quatro orçamentos do Estado o tecedor no terreno parlamentar da complexa rede de negociações que permitiram a sobrevivência do poder governativo de Costa e a sua permanência como primeiro-ministro.
Foi Pedro Nuno quem, dia a dia, teve de ir gerindo as tensões, aguentando as pressões, satisfazendo o ego dos parceiros de coligação parlamentar à esquerda, o BE, o PCP e o PEV. É ao secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares que Costa deve o trabalho, zelosamente desempenhado, de garantir que não se quebrava o cimento do seu poder enquanto primeiro-ministro. Na prática, Pedro Nuno tem mais influência e peso político do que vários ministros do Governo têm ou tiveram.
Volta por cima
Respondendo à pressão da crise criada pelo caso Tancos e precipitada pela demissão de José Azeredo Lopes da pasta da Defesa, Costa deu a volta por cima e virou o jogo a seu favor, dando um novo fôlego à sua governação e fazendo uma remodelação ampla em que aposta em figuras que lhe são próximas politicamente, têm peso político e são respeitadas publicamente.
Fá-lo, lançando o ciclo eleitoral aberto pelas europeias de 26 de Maio, que tem de ganhar. Um ciclo que prossegue nas legislativas do início de Outubro, nas quais anseia conquistar uma maioria absoluta, e que termina com as regionais da Madeira, a que o PS concorre com Paulo Cafôfo, para recuperar o poder num arquipélago onde o PS nunca mandou.
Acaba por ter de fazer uma remodelação alargada, que provavelmente previa para mais tarde, a meio do processo de aprovação da lei mais importante para qualquer Governo, a do Orçamento do Estado. Nestas últimas negociações da legislatura, uma vez mais Pedro Nuno é essencial. O momento surgiria assim como a oportunidade de ouro para o secretário de Estado subir a ministro.
Costa foi buscar uma personalidade com prestígio e perfil institucional, o embaixador João Gomes Cravinho, para repor a autoridade do Governo às Forças Armadas. Trouxe para a Saúde Marta Temido, uma solução de continuidade pelo perfil e pela manutenção dos objectivos para o sector, de modo a acalmar os ânimos contestatários dos sindicatos de médicos e enfermeiros e limpar a imagem desgastada de um Ministério em que o dinheiro não chega para as encomendas.
Promoveu Graça Fonseca a ministra, depois do seu conseguido desempenho como secretária de Estado Adjunta da Modernização Administrativa, na expectativa de que a sua experiência política, o seu perfil discreto e a sua capacidade de conceber e fazer coisas ajudem a pacificar um sector em que qualquer protesto ganha foros de notícia e visibilidade na comunicação social.
E transformou numa espécie de superministro, com o estatuto de ministro-adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, que era olhado como ministro-adjunto a prazo, devido a uma eventual incompatibilidade entre ser sócio de uma empresa e membro do Governo, situação que está ainda em análise no Tribunal Constitucional.
Mas fez mais. Tirou a secretaria de Estado da Energia do Ministério da Economia, até porque Siza Vieira foi no passado sócio de um escritório de advogados que trabalhou para a China Three Gorges e que em Maio pediu escusa de decidir sobre este sector. Levou a Energia para o Ministério do Ambiente proclamando que o faz para responder aos riscos das alterações climáticas e à necessidade de cumprir os acordos de Quioto e de Paris.
Ao fazê-lo, obrigou-se a fazer uma alteração na Lei Orgânica do Governo, pois este ministério passou a chamar-se do Ambiente e da Transição Energética. Um pormenor técnico-legislativo que agora não pode ser evitado e que, por isso, deixa de poder ser usado como argumento para não poder transformar a Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares em ministério. Mas mesmo assim, Pedro Nuno permanece secretário de Estado.
Tensões socialistas
Ninguém está na cabeça do primeiro-ministro para saber por que razão Pedro Nuno não foi recompensado com a subida a ministro. Mas entre as hipóteses que se colocam não é de excluir toda a tensão interna do PS no último ano, que teve como pico o congresso de Maio, em torno da estratégia de alianças que os socialistas deverão adoptar caso vençam as legislativas com maioria relativa.
Foi claramente assumida por Pedro Nuno a decisão de se posicionar como sucessor de Costa enquanto líder do PS. Fê-lo ao apresentar uma moção ao congresso, formalmente sectorial, mas que na prática era um texto com contornos ideológicos explícitos. Assumia-se assim como líder da tendência mais à esquerda no PS, defensora de um vigoroso papel do Estado enquanto regulador e dinamizador da economia.
Mais, em mais de um artigo, Pedro Nuno assumia preto no branco que a estratégia de alianças do PS numa futura legislatura deveria permanecer a actual. Isto é, deveria ser renovado o acordo parlamentar com o BE, o PCP e o BE. E repetiu-o alto e bom som no palco do congresso. Uma posição em que insistiu já este mês de Outubro, num almoço na Associação 25 de Abril, ao afirmar sobre a eventualidade de um dia ser primeiro-ministro: “O PS pode um dia governar com a direita. Não será comigo, isso eu posso garantir.”
Para quem conhece os bastidores da política, foi notório que Costa não gostou da fome de poder e da sede de protagonismo de Pedro Nuno. Tanto mais quando o PS é um partido sem tradição de os putativos líderes marcarem lugar na pole position para o futuro da liderança durante os congressos, como é normal no PSD.
E o actual líder do PS e primeiro-ministro fez mesmo então questão de dizer: “Eu ainda não meti os papéis para a reforma.” Agora, Costa não meteu os papéis para promover o estatuto de Pedro Nuno na orgânica do Governo.