Avolumam-se indícios de que jornalista saudita foi morto

Investigadores turcos e norte-americanos mencionam gravações video e audio de tortura e morte. Sauditas negam, mas não mostram provas da saída do jornalista do consulado.

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Protestos a favor do jornalista, que continua oficialmente dado como desaparecido Murad Sezer/Reuters

A Arábia Saudita parece cada vez mais isolada quando se avolumam as suspeitas em relação ao desaparecimento do jornalista Jamal Khashoggi depois de este ter entrado no consulado saudita em Istambul para tratar de documentos necessários para o seu casamento. O secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou preocupação que desaparecimentos sem responsabilização estejam a tornar-se "o novo normal".

A pressão diplomática e económica começa a aumentar, assim como o tom das acusações: avolumam-se as vozes a apontar indícios de crime, como a menção por parte de investigadores turcos de gravações áudio e vídeo da morte do jornalista às mãos de sauditas no consulado.

A Arábia Saudita nega as acusações e diz que o jornalista saiu do consulado. A sua noiva, que o esperava à saída, afirma que ele nunca saiu. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, pediu aos sauditas que partilhem provas da saída: até agora, apenas há imagens gravadas da entrada do jornalista no consulado a 2 de Outubro. O jornalista está oficialmente desaparecido.

O relato de gravações do momento da morte foi feito primeiro por uma televisão pró-Erdogan e depois por outros media, citando responsáveis turcos e informação obtida por agentes americanos através dos seus colegas na Turquia. Segundo esta informação, passada ao Washington Post, para o qual Khashoggi escrevia, nos registos áudio “ouve-se como [o jornalista] foi interrogado, torturado e depois morto”.

A noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, que esperou onze horas por ele à porta do consulado, contou à Associated Press que ele usava um relógio Apple, que poderá ter sido usado para gravar alguns dos momentos do jornalista no consulado. Os telemóveis de Khashoggi, que ele deixara com Cengiz, estão a ser analisados pelos investigadores, disse ainda. O jornal turco Sabah, pró-Erdogan, diz que a gravação áudio está no telefone do jornalista e nos serviços online da Apple.

Os Estados Unidos têm alguma informação própria que, segundo a CNN, inclui material resultado de conversas interceptadas, em que responsáveis sauditas discutem um plano para levar Khashoggi ao país e detê-lo lá.

O jornalista, que sempre se recusou a ser classificado como dissidente, vivia entre a Turquia e os EUA desde 2017, depois de ter decidido deixar a Arábia Saudita. Tinha recentemente confessado, numa conversa após uma entrevista com a BBC, que não se sentia seguro para voltar à Arábia Saudita e que pensava mesmo que não poderia nunca regressar. Após o desaparecimento de Khashoggi, a BBC decidiu tornar pública a gravação da parte da conversa em off the record.

Khashoggi tinha-se tornado mais crítico do regime, e da actuação do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (a quem elogiava algumas medidas mas criticava outras), e recusara recentemente vários convites para participar em centros de estudos e organizações ligadas à Casa de Saud, que lidera o país.

Para Washington, a hipótese em cima da mesa é que Khashoggi foi morto dentro do consulado em Istambul. “É muito provável que tenha sido isto que aconteceu”, disse uma fonte à CNN, acrescentando que é a hipótese de trabalho mais recente e que não há ainda uma conclusão.

O Presidente norte-americano, Donald Trump, declarou que esta é uma questão “grave”, mas disse que não via ainda razão para suspender acordos de vendas de armas com Riad (o Congresso poderá querer a suspensão).

Um comunicado do Ministério francês dos Negócios Estrangeiros declarou que “as acusações contra eles [sauditas] levam a que eles tenham de ser transparentes e forneçam uma resposta completa e detalhada”.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que é preciso “saber exactamente o que se passou, exactamente quem é que é responsável, e, claro, quando vemos a multiplicação deste tipo de incidentes penso que é preciso encontrar modos de assegurar que há responsabilização”, declarou à emissora britânica BBC.

“Tenho de dizer que me sinto preocupado por este aparente novo normal”, declarou ainda. “Porque este tipo de incidentes está a multiplicar-se e é absolutamente essencial assegurarmo-nos de que a comunidade internacional diz claramente que isto é algo que não pode acontecer.”

Além da maior ou menor pressão diplomática sobre Riad, a económica também já começou. O empresário britânico Richard Branson anunciou que se vai retirar de dois projectos de turismo no país e suspendeu negociações sobre um potencial investimento saudita de um milhão de dólares nas suas empresas dedicadas ao espaço.

Já uma conferência económica na Arábia Saudita, conhecida como “Davos no deserto” (a Saudi Future Investment Initiative), soma desistências, desde parceiros de media como a CNN, CNBC, Financial Times, e Bloomberg até entidades como o Banco Mundial (que cancelou a ida do seu presidente Jim Yong Kim), ou empresas como a Viacom e a Uber.

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