Marcelo preocupado com falta de procuradores para investigar corrupção

António Costa e ministra da Justiça ficaram em silêncio na tomada de posse da nova procuradora-geral da República, que elogiou o trabalho feito pelo Ministério Público na Operação Marquês

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Miguel Manso
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A falta de meios para combater a corrupção foi a pedra de toque dos discursos do Presidente da República e da nova procuradora-geral da República, Lucília Gago, na tomada de posse da magistrada que vai representar todo o Ministério Público.

Presentes na cerimónia, que decorreu no Palácio de Belém, mas sem direito ao uso da palavra, o primeiro-ministro António Costa e a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, ouviram e calaram. O tiro de partida foi dado por Marcelo Rebelo de Sousa, quando aludiu a uma “permanente insuficiência de recursos, mesmo quando reforçados perante solicitações sem fim”. E evocou, a este propósito, uma visita que fez em 2016 à unidade do Ministério Público onde se lida com a criminalidade económico-financeira mais complexa, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal: “Recordarei sempre a imagem de salas cheias até ao tecto de volumes de milhares de páginas, como que esmagando os magistrados e especialistas afanosamente trabalhando nos processos de maior envergadura”.

Saltou-lhe à vista o contraste “entre a imensidão material da tarefa e a escassez de recursos humanos”. Mais tarde havia de voltar ao tema, ao mencionar que a criação de condições de autonomia do Ministério Público implica a existência de recursos humanos suficientes.

Mostrando estar em sintonia com o chefe de Estado, Lucília Gago falou a seguir, para avisar que a justiça só conseguirá ser célere se vir reforçados os meios humanos e técnicos à sua disposição. A nova procuradora-geral da República não escamoteou os obstáculos com que se confrontam magistrados e polícia: o combate à criminalidade económico-financeira “exige a dotação dos imprescindíveis meios humanos e técnicos”, razão pela qual Lucília Gago considerou ser urgente capacitar a Polícia Judiciária para aumentar a sua resposta ao nível das peritagens informáticas e contabilístico-financeiras.

Há processos que chegam a ficar parados um e dois anos, à espera que a Judiciária tenha disponibilidade para levar a cabo a análise pericial de computadores apreendidos e de contas bancárias arrestadas. Aqui, a nova procuradora-geral da República voltou a juntar a sua voz ao Presidente: uma das prioridades do seu mandato será o combate à criminalidade económico-financeira, com particular enfoque na corrupção, “que se tornou um dos maiores flagelos susceptíveis de abalar os alicerces do Estado e de corroer a confiança dos cidadãos no regime democrático”. Marcelo referiu-se-lhe como “um combate sem tréguas”. Afinal, disse também, todos devem merecer igual tratamento, incluindo os mais poderosos – venham eles do mundo da economia, da política, dos media, da cultura ou do desporto.

Outra prioridade dos seis anos do mandato de Lucília Gago, que agora começa, diz respeito à violência doméstica - fenómeno que, no seu entender, “reclama redobrados esforços” que possam “pôr cobro à onda devastadora de homicídios que teima em assolar o país”. Ao Ministério Público, avisou, “não deve escapar a sensibilidade das matérias sobre o género”, sob a pena do surgimento de “equívocos com natural impacto no tecido social”.

E mesmo temas mais sensíveis, como o recurso, por parte dos arguidos, a expedientes legais que visam atrasar a acção da justiça – eventualmente até os processos prescreverem – não ficaram fora da intervenção da sucessora de Joana Marques Vidal. Mas compete aos órgãos de soberania levarem a cabo uma reforma que permita “maior agilização na tramitação processual”, tarefa em que o Ministério Público não se eximirá de colaborar. E nem a Operação Marquês escapou a Lucília Gago, que fez questão de falar deste processo como sendo “ilustrativo dos níveis de exigência e qualidade do trabalho do Departamento Central de Investigação e Acção Penal” e de dizer que deposita plena confiança do seu director, Amadeu Guerra. O magistrado termina a comissão de serviço no primeiro trimestre do ano que vem, podendo, se assim o entender, vê-la renovada.

Quase no final do seu discurso, Marcelo voltou a um dos seus pontos de partida: a moralização da vida colectiva em Portugal. “Se alguém, distraído ou persuadido de que há espaço para a impunidade, pensa que a passagem de testemunho na Procuradoria-Geral da República implica alterações de valores e de princípios, desengane-se”. Porque “não há campanhas pessoais ou políticas que paralisem, travem ou condicionem a justiça”, assegurou. Depois, elogiou o “marcante legado” deixado por Joana Marques Vidal. Já Lucília Gago optou por destacar o facto de o sucesso ou insucesso do procurador-geral da República não depender apenas de si próprio: “O mérito do desempenho não lhe deve ser exclusivamente imputado, como se de uma figura providencial e messiânica se tratasse, mas antes a todos os órgãos e agentes do Ministério Público”.

No final da cerimónia, houve manifestações de agrado perante as posições expressas pela magistrada. Apesar de não ter tocado na questão de se poder avizinhar uma corrida às reformas por parte dos procuradores, se o Governo levar por diante a alteração das regras de aposentação do sector, o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, considerou que a nova cara do Ministério Público “tocou nos principais problemas” que inquietam a classe. “Começou bem”, resumiu o procurador.

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