Furacão Michael arrasa Noroeste da Florida e renova alertas sobre alterações climáticas
Ventos de 250 Km por hora reduziram a escombros grande parte da cidade de Panama City. Autoridades e especialistas surpreendidos pela forma como o furacão ganhou força em apenas dois dias.
O estado norte-americano da Florida está habituado a ter um alvo pintado nas costas durante os seis meses da temporada de furacões no Atlântico, entre o início de Junho e o fim de Novembro, mas o que aconteceu esta semana entrou para uma categoria restrita. Em apenas dois dias, a tempestade tropical Michael transformou-se num furacão de categoria 4 – a segunda mais grave da escala – e entrou pela zona Norte da Florida com ventos de 250 Km por hora, deixando atrás de si um rasto de destruição nunca visto naquela região em mais de um século.
No auge da sua força, o furacão Michael atingiu o Noroeste da Florida na noite de quarta-feira, numa faixa de 50 quilómetros entre a cidade de Panama City e a pequena localidade de Mexico Beach, a uma centena de quilómetros da capital do estado, Tallahassee.
"O furacão Michael é a pior tempestade jamais vista" no Noroeste da Florida, disse o governador do estado, Rick Scott. Segundo os cálculos tornados públicos, o furacão Michael entrou para as listas das maiores tempestades nos EUA desde que há registos, há mais de 100 anos: é o 3.º mais intenso a atingir o território norte-americano; o mais forte de sempre na zona Noroeste da Florida; e o 6.º mais intenso em termos de velocidade dos ventos.
Durante a madrugada foi perdendo força, e esta quinta-feira continuava o seu caminho de volta ao Oceano Atlântico, já como tempestade tropical, passando pelos estados da Georgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte.
Apesar de a velocidade dos ventos ter diminuído de forma considerável, milhares de pessoas foram realojadas em ginásios e outras instalações provisórias, naqueles três estados, como forma de prevenção contra a possibilidade de inundações.
Para tornar o cenário ainda mais grave, as duas Carolinas estão ainda a recuperar das inundações provocadas pelo furacão Florence, há apenas um mês, que provocou 30 mortes de forma directa e 23 de forma indirecta, e prejuízos superiores a 38 mil milhões de dólares (33 mil milhões de euros) – foi o sexto mais dispendioso de que há registos nos EUA.
É muito cedo para se perceber a dimensão da destruição causada pelo furacão Michael no Noroeste da Florida. Até à tarde desta quinta-feira tinham sido encontrados dois corpos – um homem morreu quando uma árvore caiu sobre a sua casa, na tarde de quarta-feira, e uma criança de 11 anos morreu no atrelado em que vivia com a família, atingida por destroços atirados ao ar pelo furacão.
Mas as autoridades salientam que as equipas de resgate só começaram a sair para as ruas na madrugada, e há zonas rurais mais para o interior, perto do estado do Alabama, onde muitas pessoas não obedeceram aos alertas de evacuação.
Muitos habitantes das zonas mais afectadas começaram a partilhar vídeos nas redes sociais na tarde de quarta-feira, quando o furacão Michael se preparava para chegar a terra no auge da sua força, mas depois disso houve horas de silêncio e incerteza sobre o que estava realmente a acontecer.
Um dos poucos a descrever o cenário de destruição nas primeiras horas foi Josh Mogerman, um experiente "caçador de furacões" norte-americano que o jornal Washington Post descreveu como alguém "pouco dado a hipérboles": “É difícil descrever em palavras a escala da catástrofe em Panama City. Parece que largaram uma bomba nuclear na cidade. Estou literalmente chocado com a escala da destruição."
Desastre natural?
Mas a forma como o Michael passou de tempestade tropical a furacão de categoria 4, em menos de três dias – quando as previsões indicavam que deveria ficar-se pela categoria 2 –, reavivou o debate sobre a relação entre as alterações climáticas e uma tendência cada vez mais marcada para a formação de furacões muito intensos.
Alguns especialistas reforçaram os seus apelos para que os jornalistas deixem de se referir a acontecimentos como o furacão Michael como "desastres naturais".
"A frase 'desastre natural' é uma tentativa de pôr as culpas onde elas não existem", disse à CNN Kerry A. Emanuel, professor de Ciência Atmosférica no MIT e especialista em furacões. Uma posição partilhada por Michael E. Mann, cientista e professor da Universidade da Pensilvânia num tweet publicado quarta-feira: "Eu prefiro 'desastre não natural' quando estamos a falar sobre desastres exacerbados pelas alterações climáticas."
Um dos factores apontados pelos especialistas é a subida do nível do mar e da temperatura das águas nos oceanos, que influenciam a forma como os furacões surgem e se desenvolvem, e contribuem para o agravamento das inundações em zonas habitadas.
"A melhor informação científica de que dispomos actualmente diz-nos que a probabilidade da formação destes furacões intensos – do ponto de vista dos ventos e da chuva – está a subir em muitos sítios por causa do aquecimento global", disse à CNN Kerry A. Emanuel, frisando que "há um grande consenso [na comunidade científica]" sobre este assunto.
E o aumento da frequência destes furacões mais intensos, que progridem mais rapidamente para categorias elevadas (o que diminui a capacidade de resposta das autoridades para emitirem alertas, por exemplo), pode vir a ter consequências eleitorais, em particular no estado da Florida, onde os principais responsáveis políticos não acreditam nas provas científicas sobre a responsabilidade da acção humana nas alterações climáticas.
Há três anos, o jornal Miami Herald noticiou que o governador Rick Scott, do Partido Republicano, deu instruções ao Departamento de Protecção Ambiental da Florida para que os seus funcionários deixassem de usar termos como "alterações climáticas", "aquecimento global" e "sustentabilidade". Rick Scott está na fase final do seu mandato como governador, mas concorre a senador nas eleições do próximo mês contra Bill Nelson, do Partido Democrata.
E o outro senador da Florida, Marco Rubio, também do Partido Republicano, esclareceu a sua posição sobre o tema numa entrevista ao programa This Week, do canal ABC, em 2014: "O nosso clima está sempre a mudar. Não acredito que a actividade humana esteja a causar estas mudanças dramáticas no nosso clima, da forma como os cientistas dizem."