Nuno Mendes está a pôr os ingleses a pronunciar a palavra Mãos
É este o nome do seu novo projecto em Londres, aberto ao público no último mês. Ainda a saborear o sucesso desta aventura, o chef português não esconde a alegria de estar prestes a concretizar o seu primeiro projecto em Lisboa.
A placa instalada no número 41 da Redchurch Street é muito discreta — visível apenas a quem vai à sua procura e poucos mais. A porta dá para um lanço de escadas em madeira, com acesso directo à sala de refeições. Uma mesa corrida, 14 cadeiras, outros tantos copos de barro e um candeeiro que se estende ao longo de toda a mesa — a aposta passou por uma decoração simples, com apontamentos étnicos.
Nuno Mendes chega exactamente à hora marcada (pontualidade portuguesa em território britânico?) às instalações do Mãos — assim mesmo, em português —, o seu mais recente projecto em Londres. Não é um restaurante. Apresentam-no como “a kitchen, a table and a wine room”. Na prática, pretende proporcionar experiências gastronómicas únicas, num espaço intimista, a um máximo de 16 pessoas. O Mãos foi o pretexto para uma conversa com o chef radicado em Londres — e que tanto tem contribuído para divulgar a gastronomia portuguesa no Reino Unido (e não só) — e que está prestes a começar a ter cada vez mais “um pé” cá.
Nuno Mendes confessa uma enorme alegria por estar prestes a avançar com o seu primeiro projecto em Portugal, mais concretamene o BAHR, o novo restaurante e bar do Bairro Alto Hotel, que irá abrir no próximo ano. Em breve, serão revelados mais pormenores sobre o projecto, mas o chef já foi deixando antever, em conversa com a Fugas, que pretende criar algo “acessível, que não seja elitista”. “Não vai ser tasting menu, vai ser um projecto boémio e divertido, que traduz bem toda aquela zona de Lisboa”, desvenda.
Mas já lá vamos, tanto mais porque “o projecto ainda vai demorar algum tempo a abrir”, reconhece o chef, e por ora Nuno Mendes ainda está a saborear o sucesso da abertura do Mãos. “Começámos por abrir a amigos nossos, do Viajante e de outros projectos, em Abril, e, a pouco e pouco, fomos desenvolvendo o conceito. Em Setembro é que abrimos oficialmente ao público”, conta. As reacções, garante, não podiam ser melhores, uma vez que o Mãos tem conseguido fazer um bom “matrimónio entre conceptual food e cozinha criativa e um ambiente muito caseiro”. “E as pessoas procuram cada vez mais experiências pessoais, algo que não seja só uma experiência gastronómica, mas uma experiência super-envolvente, que vai para além da comida”, assegura.
No Mãos, os clientes têm a possibilidade de entrar na cozinha e ver a equipa a trabalhar. “É quase como se estivéssemos a receber alguém em casa”, ilustra o chef português, que quis evitar ter um desses “espaços um pouco frios e isolados, onde não há aquele contacto pessoal com a equipa”. No fundo, “comparável” àquilo que já havia feito nos projectos do Viajante e também no The Loft (o seu primeiro projecto na capital inglesa). A experiência no Mãos custa 150 libras por pessoa (cerca de 170 euros) e assenta num menu de degustação no qual há uma “presença de produtos e sabores portugueses”. “É uma constante na minha cozinha”, refere, sem deixar de desfazer quaisquer dúvidas: “Este não é um restaurante português.”
O nome, sim, é bem português e aparentemente difícil de pronunciar para os ingleses. Nuno Mendes podia ter-lhe chamado Hands, mas não quis. “Esse nome não me dizia nada. Mãos, na realidade, é aquele toque pessoal. É um nome que me agrada porque transmite o carácter intimista da experiência”, explica, a partir do terraço do último piso da Blue Mountain School, edifício onde está instalado o Mãos. O chef português está rendido ao conceito que habita todo o edifício — um imóvel do século XIX, que foi renovado e evidencia agora uma fachada em tons prata — e quis mostrar-nos o espaço.
Galerias de arte, design, moda e um listening room ocupam os cinco pisos deste espaço interdisciplinar sediado na cada vez mais vibrante zona de East End — a área que chegou a ser ocupada por indústrias é hoje um verdadeiro centro de criatividade (e Nuno Mendes tem a sua quota parte de responsabilidades nisso). O Mãos é a “versão gastronómica” do conceito que está na génese do projecto idealizado por James Brown, “grande amigo” de Nuno Mendes. “Quando ele me mostrou os planos que tinha para este espaço, percebi que estávamos alinhados na nossa visão”, afiança.
O Chiltern Firehouse e as vivências americanas
No lado completamente oposto deste conceito parece estar o Chiltern Firehouse, outro projecto que conta com a assinatura do chef português. Situado no hotel de cinco estrelas com o mesmo nome — e que ocupa um edifício vitoriano, outrora um quartel de bombeiros —, este restaurante de luxo conta já “com cinco anos” de existência, contabiliza o próprio chef, e “continua a ser um projecto interessante”. “Um projecto que tem a ver comigo porque na realidade capta os meus tempos nos Estados Unidos da América, onde estive durante 15 anos”, declara, ao mesmo tempo que diz estar “orgulhoso de continuar com o projecto do Chiltern”.
Já a Taberna do Mercado, espaço que abriu no Old Spitalfields Market, depois de fechar o Viajante, mantém-se — “por agora”, frisa — encerrado. “A localização não era adequada para o conceito, que era para começar de manhã, quase como café, pastelaria, com aquele pequeno-almoço lisboeta, e que depois se vai desenvolvendo através do dia”, introduz. No Old Spitalfields Market, “na realidade, só dava para fazer jantar” uma vez que “não havia muito público ao almoço”, explica Nuno Mendes, garantindo estar “à procura de um espaço novo mas numa zona onde haja essa afinidade, com trânsito local em vez do trânsito de negócios”. “Adoro o projecto. Apenas fiz uma pausa, mas não estou sob pressão”, assevera.
E estando com os projectos Mãos, Chiltern Fire House e BAHR, em Lisboa, ainda vai haver espaço para retomar a Taberna do Mercado? “Acho que sim. Tenho aprendido bastante estes últimos anos para poder fazer mais do que um projecto”, repara, considerando também que tem “treinado cozinheiras e cozinheiros bons”. Talvez por isso Nuno Mendes não deixe de equacionar novos projectos. Um dos sonhos que alimenta é o de um dia poder lançar um projecto dedicado à cozinha goesa, que diz adorar. “É uma cozinha fascinante, das que me tocam mais, pelo facto de ser tão portuguesa sem o ser, e também não é indiana”, realça. “Gostava de a apresentar ao público fora de Portugal e talvez dar-lhe mais relevância em Portugal”, revela, a propósito daquilo que poderá vir a ser um projecto futuro.
Por ora, mantém-se concentrado nos projectos do presente e também nos do futuro próximo, nomeadamente na concretização desse “objectivo que já andava no ar há muito tempo de ter um projecto em Lisboa”. “Em 45 anos é o primeiro projecto em Portugal”, alegra-se, notando que esta é também uma possibilidade para começar a passar ainda mais tempo na sua cidade natal. E não só. “Apesar de agora viajar bastante para Portugal, ainda passo grande parte do meu tempo em Lisboa. Também no Alentejo. Mas gostava de também conhecer o resto do país melhor”, desabafa.
Nuno Mendes não descarta a possibilidade de regressar em definitivo. Muito pelo contrário. “É um sonho”, admite, por enquanto adiado por causa da idade escolar dos filhos. “São ingleses mas têm uma paixão grande por Portugal. Já passaram muito tempo em Lisboa e no Alentejo.” Nuno Mendes também tem gostado do que tem visto nas últimas vindas a Portugal. Acredita que o país, e Lisboa em particular, estão a “passar por um período fantástico”. Diz ter sentido “uma energia muito boa” na cidade, mas também alguma inquietação. “Preocupa-me que os portugueses já não possam viver em Lisboa e tenham de ir para os arredores. É preciso ter cuidado”, alerta.
Outro dos exemplos de que Nuno Mendes está cada vez mais próximo do seu país de origem chega no final deste mês às bancas. Lisboeta, livro de receitas que lançou no ano passado em inglês, com fotografias de Andrew Montgomery, tem agora uma versão em português. “Escrevi o Lisboeta com a ideia de o apresentar ao público inglês, falar um bocadinho de Lisboa, da sua comida, da minha inspiração destes anos todos”, introduz. “Quase todas as semanas recebo e-mails de pessoas a dizerem que experimentaram esta ou aquela receita, ou só a dizer que gostaram do livro”, acrescenta o chef, que espera ver a versão em português a ser igualmente “bem recebida” por parte dos leitores. Outros livros na calha? De momento, não. “Talvez um dia faça um livro dedicado ao tipo de cozinha que fazíamos no Viajante ou agora no Mãos”, equaciona o chef, que também já publicou um livro dedicado ao (e com o título) Chiltern Firehouse.