A suborçamentação é “um problema crónico” da Saúde

"A saúde é um direito e o que acontece é que o gasto faz-se e depois financia-se quando se pode", sublinha a presidente do Conselho das Finanças Públicas, Teodora Cardoso. Já Correia de Campos recorda que ao longo da crise muitos profissionais passaram para o privado e os jovens emigraram. Conferência reúne peritos em Lisboa.

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Paulo Pimenta

Teodora Cardoso, presidente do Conselho das Finanças Públicas, afirmou que a suborçamentação é um problema crónico em Portugal, sobretudo na área da Saúde. “Os orçamentos nunca ou quase nunca atribuíram ao sector da Saúde as verbas de que ia necessitar. A saúde é um direito e o que acontece é que o gasto faz-se e depois financia-se quando se pode.”

Na intervenção que fez esta quarta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, durante a conferência 3F – Financiamento Fórmula para o Futuro, a especialista em finanças públicas distinguiu subfinanciamento de suborçamentação. “O subfinanciamento verdadeiramente pode existir transitoriamente, o problema é a suborçamentação”, salientou, acrescentando que este é um problema “muito específico do sector da saúde”.

E quando o orçamento não é o adequado, disse, “não pode haver boa gestão, porque se sabe que se vai gastar mais do que tem e deixa de haver o papel disciplinador”.

Financiamento tem aparecido, mas aparece tarde e não o programado”, acrescentou.

Teodora Cardoso salientou que “há sectores que agora precisam de mais recursos que antes e a saúde é um deles”, por causa de questões relacionadas com a demografia, as tecnologias, e a geopolítica. “Todos estes sectores deviam exigir mais gastos públicos e isto acontece numa fase em que estes gastos estão limitados àquilo que o país consegue produzir de receitas públicas. O problema que se põe às finanças é muito complicado.”

A especialista defendeu a necessidade de se medirem resultados, e não apenas na área da saúde, de forma a que exista uma clara definição das políticas públicas. Mas para isso, ressalvou, é preciso informação. E esse é mais um problema que Portugal tem em todos os sectores. “Não sabemos quanto custa praticamente nada na despesa pública.”

"Atrair profissionais para o privado é fácil"

Já o antigo ministro da saúde António Correia de Campos admitiu nesta quarta-feira que é fácil ao sector privado atrair os profissionais que estão a trabalhar no serviço público, por estes estarem desmotivados. O privado tem, de resto, maior capacidade financeira, afirmou. Na conferência sobre como inovar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Correia de Campos defendeu ainda que parcerias público-privadas devem passar a ter uma gestão clínica pública.

“Atrair profissionais para o privado é fácil. Pessoal treinado abunda no SNS e [está] desmotivado pelas baixas remunerações. É fácil atraí-lo para o privado. O SNS tornou-se um enorme e inesgotável armazém de recursos, de portas abertas, impossibilitado pelas regras de competir com o sector privado que é inteligente e flexível e que tem uma organização que propicia um acolhimento reconfortante”, afirmou o ex-ministro da saúde na conferência 3F – Financiamento Fórmula para o Futuro.

Fazendo um balanço da história do SNS desde a sua criação, Correia de Campos relembrou o crescimento do sector privado a par de um certo declínio do serviço público. “Ao longo da crise muitos profissionais passaram para o privado, outros reformaram-se antecipadamente e os jovens emigraram. O crónico subfinanciamento terá contribuído para desmoralizar o pessoal”, apontou, referindo que o privado tem actualmente mais oferta, e mais acessível, o que marcou o movimento das classes média e média alta para a procura de alguns cuidados nesse sector.

"Períodos de boa e má gestão"

Afirmando que “o SNS tem passado por períodos de boa e má gestão” desde a sua criação, o também presidente do Conselho Económico e Social afirmou que os orçamentos iniciais dos hospitais nada têm a ver com os orçamentos finais e com os gastos reais da saúde, salientando os reforços orçamentais dos últimos anos e o aumento das dívidas em atraso.

Correia de Campos falou ainda de quatro cenários para uma nova relação entre o SNS e o privado. Defendeu o modelo a que chamou de reformista. Nesta óptica, o serviço público “é a peça mestra que garante valores de acesso universal e tendencial gratuito”, com um Estado prestador e “exigente regulador” sem qualquer competição entre o público, privado e social.

“Não devia ser aceite investimento privado que não seja baseado em certificados de necessidades”, defendeu, explicando que estes certificados seriam propostos por autoridades municipais e cedidos por autoridades de saúde. O ex-ministro da saúde afirmou que a gestão das unidades devia “ser inteiramente pública” e que o “SNS terá de criar condições para que, após terminar o contrato de gestão das PPP, a gestão clínica possa passar a pública”.

O especialista considerou que neste modelo o sistema pode ser reformado “sem trauma”.

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