Tribunal de Contas recusa visto a investimento de 15,6 milhões no SIRESP
Acórdão do Tribunal de Contas recusa o visto ao aditamento ao contrato que previa um investimento na redundância da rede de emergência nacional.
O Tribunal de Contas acaba de recusar as mudanças ao contrato que o Estado tem com a SIRESP, SA, a empresa que gere a rede de emergência nacional, que previam um reforço da redundância da rede no valor de 15,6 milhões de euros. De acordo com o acórdão publicado nesta quarta-feira no site desta entidade, foi decidido "recusar o visto ao aditamento contratual identificado no n.º 1 deste acórdão, tendo por base os fundamentos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC".
A alteração ao contrato previa uma "implementação de redundância da transmissão de comunicações via satélite, abrangendo 451 estações base (EB)" e ainda a "implementação do reforço da autonomia de energia eléctrica, com a instalação de 18 geradores a gasóleo". Duas medidas que foram defendidas pelo primeiro-ministro, António Costa, e pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e usadas politicamente nos últimos meses para referir o investimento do Governo na rede de emergência, que foi apontada como uma das maiores falhas responsáveis pelos efeitos devastadores dos incêndios de 2017.
Acontece que o Tribunal considera que não existem fundamentos para este aditamento e como fundamento para a recusa do visto três alíneas da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: a que refere a "nulidade"; a norma que permite o tribunal rejeitar quando há "encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras", e ainda quando há uma "ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro".
De acordo com o acórdão, assinado pelo conselheiro Fernando Oliveira Silva, justifica-se esta recusa de visto mesmo depois de ter sido questionada a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna e de todos os seus esclarecimentos. O acórdão faz uma visita ao historial desta contratação do SIRESP, referindo que no presente processo "são várias e complexas as questões jurídicas relevantes" e dizendo que este se reveste de grande "opacidade". Diz o Tribunal de Contas que "não existe em todo o processado qualquer relatório elaborado pelo parceiro público, ou pela UTAP [Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos]" que atestem os valores negociados.
Em causa, neste ponto, estão os subcontratos feitos para fazer face ao investimento, entre eles um de 10,820 milhões de euros com a MEO, que pertence à Altice, também ela accionista da SIRESP, Sa. Perante este contrato, o TdC diz que "ressalta a necessidade de assegurar, com maior rigor e transparência, mecanismos de validação dos preços apresentados pela subcontratada MEO à operadora SIRESP" uma vez que os valores apresentados "acabam por se reflectir no valor total do presente aditamento contratual".
Ora tendo em conta que já foram realizados estes contratos, o Tribunal "determina o prosseguimento do processo para efeitos de concretização do âmbito da infracção prevista no artigo 65.º, n.º 1, al. h) da LOPTC, pela existência de contrato que terá produzido os seus efeitos antes do visto, em violação do disposto no artigo 45.º, n.º 4 da mesma lei", lê-se. Ou seja, por se tratar de uma alteração a um contrato que já tinha visto, qualquer encargo que seja superior a 950 mil euros só pode ser contratualizado depois do visto. Acontece que o Governo procedeu a contratações antes mesmo de ter a certeza que tinha a autorização. E não a tem.
Tribunal critica contrato inicial
O Tribunal de Contas quis saber o porquê de ser necessária esta alteração ao contrato do SIRESP, uma vez que se trata de uma solução técnica que assegure o funcionamento da rede de emergência nacional que é exactamente o que está contratualizado e foi-lhe respondido pela secretaria-geral do MAI que estes são "novos serviços".
Mas o Tribunal tem dúvidas que a contratação de antenas satélite e geradores a gasóleo, que asseguram o funcionamento da rede em situações de excepcionalidade, possam ser considerados extra ao contrato, como é defendido pelo MAI, dizendo que nada prova em todo o processo que não tenha havido uma "assumpção imediata, por parte do Estado, de que estes mecanismos de redundância não estavam de todo contemplados no objecto contratual original". "De acordo com o contrato SIRESP, não competiria à operadora SIRESP assegurar a manutenção activa da rede, de forma permanente e sem falhas? Não deveria a operadora garantir os sistemas de redundância necessários a um funcionamento da rede SIRESP sem falhas? São estas as dúvidas para as quais não obtivemos resposta clara e convincente", diz o TdC.
Esta resposta leva o Tribunal a criticar o contrato inicial, lembrando que este "se apresenta como um contrato de elevada complexidade" e que está de tal modo feito que vai ao contrário "da constantemente invocada e desejada transparência dos actos de gestão pública e de utilização dos dinheiros públicos".
Mais do que isso, o Tribunal "estranha" o porquê de um contrato tão caro não prever que a rede tem de funcionar sempre, incluindo nas situações de excepcionalidade. Diz o acórdão que estranha que um contrato que "hipoteticamente tinha como objecto a concepção e gestão de uma rede de comunicações para situações de emergência não consiga assegurar o normal funcionamento dessa rede em condições excepcionais, mas que, no plano dessa emergência, se tornam normais e previsíveis, como é o caso dos incêndios, ainda para mais quando está em causa um contrato de elevadíssimo peso para o erário público": 463,5 milhões.