Pronto! Já podemos ter os mesmos direitos que os alemães
Se este projecto de lei fosse agora adoptado, nas próximas eleições legislativas já poderíamos escolher partido e também deputado.
Sim, é verdade. Voltando ao artigo que escrevi há um ano, a novidade é esta: já podemos ter os mesmos direitos que os alemães. Os alemães, em cada eleição legislativa, podem escolher o seu partido e também o seu deputado – e nós não. Os alemães têm um sistema democrático que funciona assim desde 1949 e nós, podendo tê-lo desde 1997, ainda não. É desta maneira que devemos ver as coisas: a Constituição atribuiu-nos esse direito em 1997; a preguiça da lei bloqueia-nos o seu exercício há 21 anos. A Constituição escreveu ao legislador um sistema eleitoral em que, dentro de condições que mantenham a proporcionalidade, se possa permitir aos portugueses a escolha também do seu deputado – e o legislador faz-se de cego e surdo: não lê, nem ouve. A Constituição já quer que sejamos iguais aos alemães. O legislador ainda não.
Agora, porém, já podemos ter os mesmos direitos que os alemães. Chegou a hora. Não é preciso continuar à espera da iniciativa dos partidos políticos e dos deputados. Foi lançada, no dia 3 de Outubro – fixemos esta data –, uma Petição Pública para concretizar esse direito. A petição não se limita a pedir para fazerem. A petição apresenta um projecto de lei que mostra a solução.
Mostra que é possível, mostra que é fácil e mostra que é justo. Mostra como não tem espinhas que, tal como os alemães, também nós, portugueses, possamos ter no boletim de voto a escolha tanto do partido, como do deputado que queremos, obtendo uma Assembleia rigorosamente proporcional, com deputados que fomos nós a eleger. Se este projecto de lei fosse agora adoptado, seria muito fácil a transição imediata do sistema actual para o novo sistema de representação proporcional personalizada e, nas próximas eleições legislativas de Outubro de 2019, já poderíamos escolher partido e também deputado.
Agora, é connosco. Agora, é com a capacidade de mobilização da cidadania. Para o texto proposto pela petição se tornar realidade, basta que recolha um número suficientemente impressionante de assinaturas; que não se fique pelas 4000 necessárias a subir ao plenário parlamentar, mas vá muito além disso; que as assinaturas não parem na subscrição, mas se traduzam em compromisso efectivo, cada subscritor exercendo pressão junto do partido de pertença ou proximidade; que alguns deputados agarrem na iniciativa como sua, como a lei prevê; e que a cidadania mantenha grau muito elevado de atenção e mobilização, até empurrar uma maioria parlamentar e conseguir o objectivo. Perguntavam-me, nas redes sociais, se eu achava que era com 10.000 assinaturas que os partidos se iam mexer. Com 10.000 não, com 100.000 talvez, com um milhão certamente. Não se trata de metas, nem de aposta. Trata-se de rumo e de dinâmica. Dinâmica para vencer, em vez de estarmos sempre a perder.
Nos meses em que, com a ajuda de uma pequena e generosa equipa, fui trabalhando neste projecto, procurando melhorá-lo face às observações que recebia nos debates, consolidei fortíssima convicção na genialidade do sistema de representação proporcional personalizada, um sistema misto de compensação, paritário. As críticas desinformadas mais parecem supor que só por bruxedo pode resultar em representação parlamentar proporcional um sistema em que metade dos deputados são decididos em círculos uninominais. Mas é, na verdade, assim e até melhor do que temos hoje – como a experiência alemã mostra desde há 70 anos. Não é bruxedo, nem magia; apenas inteligência na articulação complementar entre círculos uninominais e plurinominais, exactamente como a nossa Constituição prevê no artigo 149.°.
O projecto da petição propõe uma Assembleia da República de 229 deputados. Mantém-se o regime actual para eleição dos deputados das comunidades no estrangeiro e aplica-se o novo sistema aos 225 eleitos pelo território nacional. Destes, 15 mandatos são reservados para atribuição pelo círculo nacional, para acertos e compensações, garantindo a proporcionalidade e a melhor expressão da cidadania. Os outros 210 são repartidos, em paridade, por 105 círculos uninominais e 105 para candidaturas por listas nos círculos plurinominais territoriais. Não tem necessariamente que ser assim. É a opção que pareceu a melhor, estabelecendo a impecável paridade territorial entre os dois contingentes, como no exemplo alemão.
A definição das circunscrições eleitorais parte dos distritos e regiões autónomas, com a condição mínima de ter eleitores para eleger oito deputados: isto é, no mínimo, quatro em círculos uninominais e quatro para as listas plurinominais. Daqui resulta terem de ser agregados os que estejam abaixo dessa dimensão demográfica mínima, mas mantendo sempre a sua identidade. É a opção que preserva espaços de representação política que nos são familiares e define uma repartição adequada a que a proporcionalidade funcione de forma minimamente satisfatória. Mas não tem necessariamente de ser assim, caso se prefira outra maneira. Para as regiões autónomas, o número mínimo é reduzido para seis deputados (três uninominais, três plurinominais), a fim de respeitar plenamente a autonomia e cada região dispor dos seus círculos próprios. Pode querer-se, porém, que possam constituir círculo plurinominal conjunto e apenas uninominais separados; ou pode querer-se excluir as regiões autónomas do novo sistema, tratando-as como os círculos da emigração, ao modo dos projectos mal-sucedidos de 1998. Aquela é a opção que pareceu melhor, por a excepção para as regiões autónomas ser justificável e, assim, o novo sistema aplicar-se em todo o país, não excluindo qualquer parcela.
A definição dos círculos uninominais, questão sensível, é feita por regras objectivas de menor variância no número de eleitores dentro da mesma circunscrição, de contiguidade e de integridade. A integridade traduz-se em tratar por inteiro os concelhos ou, onde é necessário dividir um concelho em mais de um círculo (Lisboa, Sintra, Porto, etc.), as freguesias; e em não poderem juntar-se municípios de distritos diferentes, nos casos em que a mesma circunscrição eleitoral agregou distritos. A integridade contraria engenharias espaciais eleitorais, pelo respeito dos espaços administrativos com que as populações estão familiarizadas. Não tem que ser necessariamente assim: nos projectos de 1998, enveredava-se por regras matemáticas – 20% ou 1/3 para baixo ou para cima do número médio de eleitores. Preferiu-se a opção que pareceu mais segura e representativa e melhor prevenir tentações, manobras e desconfiança.
Entrando no desenho e pormenores, tudo pode ser reflectido e debatido, decidido ou ajustado de outro modo. Isso já será formidável, extraordinário. Significará que chegámos às minúcias, ao último momento da especialidade. O essencial é que o boletim de voto nos permita duas cruzinhas – uma, no partido; outra, no deputado – e o sistema esteja desenhado de forma a, no fim, termos um Parlamento rigorosamente proporcional e com deputados que escolhemos.
Ao dar este poder da escolha, o sistema muda toda a cultura política de formação das candidaturas, para eleitos e não eleitos, para uninominais e plurinominais, dando mais poder à base e à cidadania e conduzindo as direcções partidárias a seguirem os melhores critérios no espírito do serviço público. Teremos deputados mais queridos pelos eleitores, mais responsabilizados, mais assertivos. Teremos melhores grupos parlamentares e melhor Assembleia da República. Teremos melhores partidos, com mais elevados graus de participação e de interacção com as comunidades. Teremos melhor democracia – democracia de qualidade.
Esta é a reforma do sistema eleitoral que cumpre a Constituição. É uma reforma honesta. Não beneficia ninguém contra ninguém. Não favorece ninguém sobre ninguém. É uma proposta de cidadania para servir todos os eleitores, todo e qualquer partido, todas as terras e concelhos do país. Falta só accionar, com a maior energia de que formos capazes como cidadãos, a Petição Pública “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus deputados”.