De vítimas a campeões da luta contra o racismo

O Babelsberg, clube anti-racista, foi multado por reagir a gestos nazis de adversários. Mas acabou por dar a volta por cima.

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Os adeptos do Babelsberg no apoio à equipa DR

Algo de errado se passa quando um jogo da quarta divisão merece a presença da polícia de choque. Mas os incidentes no Babelsberg-Energie Cottbus da temporada passada justificaram a precaução: os insultos, artefactos pirotécnicos, e confrontos físicos entre adeptos deram que falar na Alemanha. Tudo começou com cânticos racistas dos visitantes, mas seriam os anfitriões a ser multados por distúrbios. Da indignação surgiu uma campanha para combater o racismo nos estádios.

Babelsberg, nos arredores de Berlim, é casa de um clube que não hesita na hora de definir-se: “A equipa e o seu público são antifascistas e anti-racistas. Isto não é uma imagem de marca, mas uma evidência”, sublinhava Thoralf Höntze, porta-voz do clube que, em Abril de 2017, assumiu um protagonismo inesperado. As convicções dos adeptos do “Nulldrei”, como é carinhosamente tratado o clube, em referência ao ano de fundação (1903), foram colocadas à prova no duelo com o Energie Cottbus, entre cujos simpatizantes há falanges assumidamente racistas e que somam episódios de comportamento desordeiro.

Muito antes do apito inicial já eram visíveis as saudações nazis na bancada dos adeptos de Cottbus, e houve elementos que saltaram para o relvado para tentar atingir a claque anfitriã. A polícia de choque interveio e, entre os simpatizantes do Babelsberg, houve quem respondesse: “Nazischweine raus (Porcos nazis fora)”, ouviu-se. A maior surpresa viria depois. O relatório da federação regional nordeste (NOFV, na sigla original) identificava um adepto “com penteado punk vermelho” como responsável pelas palavras e condenava o “Nulldrei” a uma multa de 7000 euros pelos distúrbios e utilização de pirotecnia. Quanto às atitudes dos simpatizantes do Energie Cottbus, nada.

Num processo distinto, o Cottbus seria condenado a pagar 10 mil euros de multa pelo mau comportamento dos adeptos num conjunto de jogos – sem qualquer referência aos cânticos e saudações nazis – mas após recurso a pena foi reduzida a 6000 euros, dos quais 4000 sob a forma de pena suspensa. Já o recurso do Babelsberg ao castigo foi rejeitado por motivos burocráticos (a falta de uma assinatura). E a indignação não parou de crescer.

“Pessoas que levantam o braço em saudação e cantam palavras evocativas dos campos de concentração têm de ser chamadas pelo que são: nazis. E os nazis não têm lugar no futebol. É óbvio, não é? Aparentemente não”, escrevia em editorial a revista alemã 11 Freunde.

Desde o início que no Babelsberg rejeitaram pagar a multa. Por uma questão de princípio, mas também porque o dinheiro não abunda num clube amador da quarta divisão. Ultrapassado o prazo limite para pagar, a NOFV ameaçava o clube com a revogação da licença para competir, o que poderia significar a insolvência e o fim do emblema. “As palavras ‘Porcos nazis fora’ foram uma reacção aos persistentes cânticos anti-semitas e racistas da claque do Energie Cottbus. Poderia descrevê-las como uma espécie de autodefesa moral”, diria o advogado do Babelsberg, Nathan Gelbart.

A solidariedade para com o “Nulldrei” chegou de todo o lado, desde a Bundesliga (Werder Bremen, Borussia Dortmund, Colónia ou Estugarda) ao estrangeiro. E o clube comemorou uma vitória quando a NOFV reviu a sentença inicial, alterando a multa do Babelsberg: 3500 euros a serem gastos no combate ao racismo, e outros 3500 euros, a pagar ao organismo federativo, que assumia o compromisso de empregá-los também na luta contra a discriminação. “Tornou-se óbvio que esta não é a luta de um clube. É um movimento que envolve muitos jogadores, na Alemanha e no estrangeiro, por isso fico contente que tenhamos obtido um acordo”, congratulava-se o presidente do Babelsberg, Archibald Horlitz, em declarações à emissora Deutsche Welle.

A temporada terminaria com a subida do Energie Cottbus ao terceiro escalão, embora as celebrações tenham sido manchadas por imagens de adeptos com capuzes semelhantes aos do Ku Klux Klan e cânticos discriminatórios em que o próprio treinador Claus-Dieter Wollitz participou. Mas foi o Babelsberg a sagrar-se campeão, pelo menos da luta contra o racismo nos estádios. “Temos a obrigação de dirigir o apoio que recebemos aos clubes dos escalões mais baixos. Os verdadeiros heróis são aqueles que nessas divisões lutam contra o racismo”, concluiu Archibald Horlitz.

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