Não há #MeToo que faça os republicanos tirar o tapete ao juiz Kavanaugh

Dois dos três senadores republicanos que estavam indecisos já indicaram que vão aprovar a nomeação do juiz acusado de abusos sexuais. Estratégia do partido pode ser recompensada nas urnas, nas importantes eleições de Novembro para o Congresso.

Brett Kavanaugh nega todas as acusações
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Brett Kavanaugh nega todas as acusações Reuters/JIM BOURG
Cartaz com a frase "Kava Nope", num protesto contra a nomeação do juiz para o Supremo
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Cartaz com a frase "Kava Nope", num protesto contra a nomeação do juiz para o Supremo Reuters/KEVIN LAMARQUE
O senador Jeff Flake, do Partido Republicano, indicou que vai aprovar a nomeação
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O senador Jeff Flake, do Partido Republicano, indicou que vai aprovar a nomeação LUSA/SHAWN THEW

As acusações de assédio e abuso sexual contra o juiz norte-americano Brett Kavanaugh, que o Presidente Donald Trump quer enviar para o Supremo Tribunal, não convenceram o Partido Republicano a tirar-lhe o apoio. A poucos dias de uma decisão final sobre a nomeação, as sondagens mostram que a luta dos republicanos no Senado por Kavanaugh fez subir o entusiasmo dos eleitores mais conservadores, que agora estão mais decididos a votar nas importantes eleições para o Congresso, em Novembro.

Estes sinais do eleitorado são determinantes para as estratégias seguidas nas duas câmaras do Congresso norte-americano, tanto pelo Partido Republicano como pelo Partido Democrata. Mas há outro forte indício de que Kavanaugh vai mesmo ser confirmado como juiz do Supremo, apesar do coro de protestos no Partido Democrata.

Esta quinta-feira, quase uma semana depois de o processo de nomeação ter sido suspenso, enquanto se esperava pelo fim de uma investigação do FBI sobre as acusações, os poucos senadores republicanos que ainda estavam indecisos começaram a dar sinais de que vão poupar o Presidente Trump e o seu próprio partido a uma humilhação na votação final, o que poderia ser fatal a apenas um mês de importantes eleições para o Congresso.

Se o juiz Kavanaugh for confirmado, o Partido Republicano poderá ganhar mais votos em Novembro porque os seus eleitores ficam mais entusiasmados para saírem de casa no dia das eleições; mas se os republicanos, ou a Casa Branca, deixassem cair Kavanaugh, as suas hipóteses de manterem a maioria no Senado poderiam cair a pique por causa de um aumento da abstenção. Em resumo, é isso que mostra a mais recente sondagem da empresa Marist para a NPR e a PBS.

Certezas contraditórias 

Mas vamos por partes. Já com o processo de nomeação a decorrer no Senado, em Setembro, o juiz Kavanaugh foi acusado por três mulheres de assédio, abuso sexual e tentativa de violação nos tempos em que frequentou o ensino secundário e a universidade, no início da década de 1980.

Uma das três acusadoras, a professora universitária Christine Blasey Ford, declarou na Comissão de Justiça do Senado, sob juramento, que tem "100% de certeza" de que foi Kavanaugh quem a empurrou para um quarto numa casa no estado do Maryland, em 1982, e tentou despi-la e violá-la. O juiz conservador, que foi ouvido depois de Ford, afirmou, também sob juramento, que tem a certeza absoluta de que não cometeu qualquer tipo de abuso sexual contra Ford ou contra qualquer outra mulher.

Dias depois de a história de Ford ter sido tornada pública, mais duas mulheres deram a cara para acusarem Kavanaugh de abuso sexual e assédio. Em declarações à revista New YorkerDeborah Ramirez, uma antiga colega de Kavanaugh na Universidade de Yale, acusou o juiz de a ter forçado a tocar-lhe no pénis durante uma festa no ano lectivo 1983/1984.

Uma terceira mulher, Julie Swetnick, corroborou anteriores acusações de que Kavanaugh era uma figura habitual em festas em que ele e os amigos tentavam forçar relações sexuais com raparigas, e fez uma outra denúncia: "Por volta de 1982, fui vítima de uma violação em grupo em que Mark Judge e Brett Kavanaugh estavam presentes."

Durante quase todo o processo, a maioria do Partido Republicano na Comissão de Justiça do Senado negou aos seus colegas do Partido Democrata um pedido para que o FBI fizesse uma investigação sobre aquelas acusações. Não estava em causa uma investigação criminal, mas sim um daqueles inquéritos que se fazem quando alguém é nomeado para um cargo importante, na Justiça ou na política.

Na prática, o documento que foi entregue esta quinta-feira ao Senado é um relatório com perguntas feitas a algumas pessoas envolvidas nas acusações, principalmente as que possam ter testemunhado abusos. Por exemplo, Kavanaugh e uma das mulheres que o acusam de abusos sexuais, Christine Blasey Ford, não foram ouvidos, o que levou o Partido Democrata e os advogados de Ford a dizerem que a Casa Branca limitou tanto o foco da investigação que o resultado final nunca poderia ter novidades em relação ao que já era conhecido.

Votação final no sábado?

Os senadores dos dois partidos começaram a ler o relatório do FBI por volta das 9h locais (14h em Portugal continental), em segredo, de forma alternada, numa sala do Senado preparada para estas situações.

É possível que os pormenores do relatório não venham a ser conhecidos do público nos próximos tempos, mas alguns senadores foram tecendo comentários genéricos ao longo do dia sobre o que tinham acabado de ler.

O mais revelador de todos os comentários foi o do republicano Chuck Grassley, o principal responsável pelas audições a Kavanaugh na qualidade de presidente da Comissão de Justiça do Senado. "Não há lá nada que nós já não soubéssemos. Chegou a hora de votar", disse Grassley.

Antes dele, já o líder da maioria do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, tinha anunciado que a nomeação de Kavanaugh vai mesmo ser submetida a uma votação final. Ao marcar para sexta-feira uma outra votação, sobre os procedimentos para a conclusão do processo, McConnell deixou as portas escancaradas para a votação final, que poderá ter lugar, o mais cedo, na noite de sábado.

Mas as declarações mais importantes foram feitas por dois dos três senadores republicanos que ainda não tinham dito se votariam a favor ou contra Kavanaugh, se o processo chegasse mesmo à votação final. São eles Jeff Flake, do Arizona, e Susan Collins, do Maine. Depois de terem sido informados sobre os pormenores do relatório do FBI, ambos indicaram que vão votar a favor da confirmação de Kavanaugh.

Contagem de votos

Estas contas são determinantes para se perceber o futuro de Kavanaugh.

Para ser confirmado como juiz do Supremo, Kavanaugh tem de ser aprovado por uma maioria simples no Senado. Até ao ano passado, era necessária uma maioria de 60 votos para se garantir uma nomeação, já que o partido na oposição poderia opôr-se recorrendo à figura do filibuster. Mas a maioria do Partido Republicano pôs fim a essa regra histórica no ano passado, para conseguir nomear Neil Gorsuch, outro juiz conservador, para o Supremo Tribunal.

Neste momento, o Partido Republicano tem uma maioria de 51 senadores, contra 49 do Partido Democrata (dois são independentes, incluindo Bernie Sanders, mas ambos costumam votar alinhados com o Partido Democrata). Na prática, o Partido Republicano pode perder um senador nas suas fileiras e, ainda assim, garantir uma vitória na votação final – em caso de empate, quem desempata é o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, que é presidente do Senado por inerência.

Se os senadores Jeff Flake e Susan Collins votarem a favor da nomeação de Kavanaugh, então a outra senadora indecisa, Lisa Murkowski, até pode votar contra – o que dificilmente acontecerá já que poucos senadores gostam de assumir sozinhos decisões tão sensíveis como esta.

E, no final, a nomeação de Kavanaugh até pode ser carimbada com mais votos do que se espera, já que há dois senadores do Partido Democrata que também estão a fazer contas à vida. Joe Manchin e Heidi Heitkamp tentam perceber se um voto contra Kavanaugh lhes trará dissabores nas suas reeleições para o Senado em Novembro, em estados onde Donald Trump esmagou Hillary Clinton nas eleições presidenciais de 2016.

Batalha histórica

No auge do movimento #MeToo, o processo de nomeação de Kavanaugh para o Supremo é uma das mais importantes batalhas entre os dois maiores partidos norte-americanos nas últimas décadas.

Com o anúncio da reforma do juiz Anthony Kennedy, em Julho, o Supremo ficou dividido entre quatro juízes conservadores e quatro juízes mais progressistas. Como é o Presidente dos EUA quem escolhe os candidatos a juízes (e o Senado aprova ou reprova essa nomeação), Trump e a maioria do Partido Republicano no Senado querem pôr o conservador Kavanaugh no Supremo até às eleições de Novembro – para evitar que o processo de nomeação seja travado num Senado com maioria do Partido Democrata, ou com uma maioria republicana ainda mais reduzida, de 50-50.

Se Kavanaugh for mesmo confirmado como juiz do Supremo, os conservadores norte-americanos garantem que as questões mais importantes, como a lei do aborto ou a pena de morte, passem a ser decididas por um tribunal de maioria conservadora. E como as nomeações são para toda a vida, e Brett Kavanaugh tem apenas 53 anos, essa maioria pode provocar grandes alterações na sociedade norte-americana nas próximas décadas.

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