Ofício firme, brinquedo pegajoso: já há quem tenha negócios de slime
É uma tendência entre os mais novos, que dá azo à imaginação, mas também ao negócio de pelo menos duas lojas online portuguesas. A receita inclui água, cola, borato de sódio, paciência e até disputas legais. Quem produz, e quem compra, garante que mexer em slime relaxa.
No ano passado, o presente de natal de Carolina Sietra foi uma batedeira de cinco litros. Era como se, embrulhada, estivesse uma fiel amiga das horas vagas — e também um alívio para a mãe, já que Carolina, de 20 anos, tomava conta da cozinha de casa para fazer slime. E do chão da sala, para as encomendas. Livre estava o quarto, “onde, debaixo da cama, escondia o garrafão de cola branca”.
Foi no quarto, a scrollar tela abaixo, que soube o que era aquela massa viscosa às cores, que hoje se faz deslizar pelas mãos de milhões de crianças e adultos. “Vi os primeiros vídeos de slime no Instagram, e gostava de ter o produto, mas não havia em Portugal”, recorda, para depois explicar o ponto de partida para a aventura que tem sido a SlimePT: “Procurei os ingredientes necessários, encomendei de lojas internacionais e comecei a fazer para mim.” Os slimes de Carolina, que ganhavam cor e forma em Corroios, Lisboa, são hoje comercializados para diversas partes do país, a partir de 4,49 euros.
As receitas pouco variam: borato de sódio, água, cola branca e um corante à escolha. Há quem utilize espuma de barbear ou ainda soluções para lentes de contacto. A técnica não é a mais complicada, e a vertente “faz tu mesmo” é a “parte mais engraçada”, garante o pai e sócio de Carolina, Jorge Sietra, de 49 anos. Para quem entope os canos em casa a tentar, há sempre a opção segura de comprar slime já feito.
As cores variam. Há massas que têm purpurinas dentro e outras que cheiram a algodão doce. O efeito, garante a estudante de Fisioterapia, é “relaxante”. “Não há nada como fazer uma boa slime, experimentar as diferentes texturas que pode ter e misturar as cores.” Depois da brincadeira, convém “lavar as mãos e passar creme hidratante”, aconselham pai e filha. As embalagens que a SlimePT utiliza são herméticas, e isso estende a validade do produto, que dura quatro meses — por isso, o melhor é fechar as caixas, “porque se o slime não estiver fechado com a tampinha, seca e agarra os lixos que correm no ar”.
No que toca aos produtores de slime, uma das responsabilidades é seguir os limites estipulados pela União Europeia para os brinquedos líquidos ou viscosos: cada quilo deve conter, no máximo, 300 miligramas de borato de sódio. A presença de brinquedos do género com quantidades superiores à indicada pode explicar as preocupações associadas à tendência: há casos de queimaduras de terceiro grau em experiências caseiras, por exemplo. Jorge garante não ter recebido “nenhuma queixa”, mas avisa que episódios parecidos podem ocorrer “caso a pessoa tenha infecções cutâneas ou alergias a um dos ingredientes, mas também é preciso supervisionar a brincadeira”. Por isso, Carolina não aconselha que “crianças com menos de seis anos brinquem com slime”.
Slime não é só para meninos e meninas
A referida sensação de relaxamento e a pouca oferta em território nacional do produto também impulsionaram a Tuga Slime. “A ideia de negócio surgiu numa noite mal dormida”, contextualiza Nuno Santos, de Leiria. Está encarregue “da parte administrativa” da loja online, mas quem faz os slimes é a esposa, Rita Santos — tudo em casa, com a supervisão dos filhos, a tempo inteiro. Aliás, encontrar um passatempo para o mais velho, de três anos, “muito difícil de entreter”, também pesou na decisão.
As primeiras tentativas do casal, de 34 anos, “correram muito mal”, mas Rita quis insistir. Hoje, estão prontos para vender slimes “que se assemelham a flocos de neve ou que brilham no escuro”. O negócio, iniciado nos primeiros meses do ano, “está a crescer”, e Nuno conjuga-o com a investigação académica e as aulas de Nutrição que lecciona. Tanto uma como outra empresa apontam que o público-alvo se encontra nas crianças, mas os mais crescidos não descartam a sensação “anti-stressante e de relaxamento” experienciada ao manusear as diferentes texturas do material.
Para além disso, os slimes, garante Nuno, “ajudam na destreza manual e na concentração”. Talvez tenham sido essas valências que despertaram a curiosidade dos amigos da faculdade de Carolina, os primeiros clientes; depois, os amigos dos amigos. Em Março do ano passado veio a página do Instagram, que cresceu para lá do esperado, e o site. Uma pesquisa no YouTube ajuda a compreender o fenómeno: há muitas crianças atentas a tutoriais de slime e o material também é popular nos vídeos de relaxamento ASMR — a sigla em inglês para “resposta sensorial autónoma do meridiano”, uma sensação agradável que gera formigueiro no couro cabeludo através de certos sons ou imagens.
“Um ácaro de David contra Golias”
A batedeira de cinco litros já não responde à quantidade de encomendas que a SlimePT recebe. Por isso, agora, tudo é feito numa grande batedeira industrial, que não cabe na garagem dos avós de Carolina (por onde as slimes já passaram), muito menos no quarto ou na cozinha da casa da mãe. Repousa num armazém arrendado em Agosto passado, ladeada por caixas de cartão que se vão empilhando e por prateleiras cheias — tudo num cenário “não muito bonito”. “Há pouco chegaram três paletes de dois metros de altura com 40 mil embalagens”, avisa o pai.
A responsabilidade de controlar um negócio aos 20 anos não assusta Carolina, que vai aprendendo, aqui e ali, como o gerir. “Faço coisas cujo nome não sei, se são de logística ou de outra área, mas vou fazendo!”, explica. As manhãs de sábado já não são passadas a dormir, e há dias da semana em que chegam a fazer mil slimes – “principalmente no Natal, porque é um brinquedo barato e que oferece a offline fun”, resume Jorge.
Se os slimes ganham reconhecimento agora, a verdade é que já por cá andam há muito (o termo, tal como o brinquedo, foi introduzido pela Mattel em 1976). Mas a gosma verde que serve para as partidas do canal Nickelodeon desde 1980 tem o mesmo nome, e isto representa um problema. É que a VIACOM, empresa que detém canais e redes de televisão como a MTV, a VH1 e o próprio Nickelodeon, “tem o registo de propriedade sobre o nome slime”, explica Jorge Sietra. “Nós registamos a marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), mas, pouco depois, chegou uma carta dessa empresa.” Dentro do envelope anunciava-se uma batalha legal contra a VIACOM, “um ácaro de David contra Golias”, brinca. De um lado, exposição argumentativa por advogados; no outro, “um documento de defesa feito em casa pelos dois”. Ganharam a primeira ronda, mas, em Julho, “apareceu outro documento do Tribunal de Propriedade Intelectual”, alegando que a decisão estaria errada. Vão a tribunal, mas admitem não ter os recursos necessários para um processo deste calibre. O que quer isto dizer para as muitas marcas norte-americanas não registadas, com milhões de seguidores nas redes sociais, como a Glitter Slimes? “Provavelmente, quase nenhuma está registada. A nossa está, mas também se encontra em avaliação de tribunal”, sintetiza Jorge.
Se tudo acabar, há uma certeza: “Isto é muito divertido.” Nuno Santos, da Tuga Slime, descobriu partilhar os gostos “picuinhas” quanto ao brinquedo com o filho mais velho — ambos preferem o slime que não deixa muitos resíduos, de textura consistente. As encomendas incluem ainda “companhias de teatro e organizações de festivais”. Quanto à SlimePT, os pequenos pacotes coloridos já despertaram o interesse de “creches, lares e instituições sociais”.
Certo é que de uma brincadeira se fizeram dois negócios. A SlimePT chega a contornar a hegemonia dos gadgets enquanto brinquedo: “Um dia recebemos uma mensagem de uma senhora que, no Natal, ofereceu um dos nossos kits de slime a um rapaz, que também tinha recebido um telemóvel. Disse-nos que o miúdo preferiu o slime”, recordam Carolina e Jorge. Mas não é tempo de olhar para o que já passou – no fim da conversa com o P3 “há uma noite de trabalho pela frente”. Eles já sabem a receita.