Coleccionador quer retirar 700 desenhos depositados em Serralves após caso Mapplethorpe
Luiz Teixeira de Freitas comunicou à Fundação de Serralves a sua decisão “em solidariedade com João Ribas”, director demissionário do museu, mas ainda não obteve resposta.
O conhecido coleccionador Luiz Teixeira de Freitas comunicou à Fundação de Serralves que vai retirar as obras que tem em depósito no Museu de Arte Contemporânea do Porto ao abrigo de um acordo de dez anos. A intenção, motivada pela polémica dos condicionalismos em torno da exposição Robert Mapplethorpe: Pictures e “em solidariedade com João Ribas”, foi confirmada ao PÚBLICO pela filha, a curadora Luiza Teixeira de Freitas. A colecção é composta por 700 desenhos, com nomes que vão de Mark Lombardi a Gabriel Orozco, passando por Julião Sarmento.
“É 100% verdadeiro”, disse a curadora luso-brasileira, explicando que Luiz Teixeira de Freitas enviou uma carta à presidente da Fundação de Serralves, Ana Pinho, no início da semana, da qual ainda não recebeu uma resposta, depois das notícias sobre a demissão de João Ribas da direcção do Museu de Serralves e das suspeitas de interferências da administração no seu trabalho, nomeadamente na montagem da exposição dedicada ao fotógrafo norte-americano. “Isto é tudo em solidariedade com o João Ribas e em desacordo com a posição tomada pela administração em relação à exposição de Robert Mapplethorpe”, continuou Luiza Teixeira de Freitas.
Contactada pelo PÚBLICO, a Fundação de Serralves não quis prestar declarações sobre a intenção do coleccionador, cujo acordo em vigor remonta à direcção de João Fernandes (2003-2013).
A vontade de Luiz Teixeira de Freitas tornou-se pública durante a feira de arte Vienna Contemporary, na Áustria, onde o coleccionador está presente. Alain Servais, um conhecido coleccionador belga, partilhou as declarações via Twitter, indicando que o importante coleccionador tomou a decisão na sequência do caso Mapplethorpe. “O coleccionador retirou 700 obras que tinha emprestado por dez anos ao Museu de Serralves no Porto depois da censura na recente Robert Mapplethorpe [sic]”, escreveu. Na Vienna Contemporary estão representadas entidades como a Balcony, uma das mais jovens galerias portuguesas, ou a Kubik.
João Azinheiro, da Kubik, assistiu à palestra de Luiz Teixeira de Freitas e onde ele mencionou a sua decisão quanto a Serralves. "O coleccionador tem todo o direito de não se rever no modelo" de gestão do museu, defendeu ao PÚBLICO o galerista na manhã deste domingo. "Todos temos, sendo muito pequenos ou muito grandes, de nos marcar pelo que podemos fazer" sobre estes temas públicos, acredita, "e o Luiz Teixeira de Freitas como coleccionador e com a importância que tem mostra o seu desagrado da forma como o pode fazer, mostrando que tem uma palavra a dizer" sobre a polémica em torno da exposição de Mapplethorpe. "Serralves tem de ouvir as pessoas que fizeram parte do seu percurso."
O Museu de Serralves é o único museu português onde Luiz Augusto Teixeira de Freitas tem obras em depósito, mas o coleccionador empresta as suas obras regularmente a instituições de todo o mundo. A Colecção Teixeira de Freitas, da qual o acervo de desenho é apenas uma parte, "é uma das melhores em Portugal”, dizia em 2017 a curadora Filipa Oliveira por ocasião de uma exposição de parte dessa colecção de arte contemporânea na Fundação Eugénio de Almeida, em Évora.
Advogado brasileiro que há décadas reside em Portugal, desde os anos 1990 surge como um dos coleccionadores de arte de relevo do país, com um espólio focado na arte das duas últimas décadas mas também com obras relevantes dos anos 1960 e 70. Está coligida sob um tema central — a arquitectura — com a consultoria do curador Adriano Pedrosa, actual director do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Já a sua colecção de desenho integra ainda obras de artistas portugueses e internacionais como Francis Alÿs, Pedro Cabrita Reis, Pedro Barateiro ou Maurizio Cattelan.
A administração da Fundação de Serralves negou durante a semana passada a interferência na montagem da exposição. “O conselho de administração não mandou retirar quaisquer obras da exposição” de Mapplethorpe, disse a administradora Ana Pinho numa conferência de imprensa. Depois disso, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, foi uma das vozes que, nomeadamente através de duas cartas enviadas ao Conselho de Fundadores da Fundação de Serralves, manifestou a sua preocupação com os danos à imagem da instituição, da qual é parceira, referindo ainda “que o prestígio da fundação está posto em causa" quando "inúmeros órgãos de comunicação social nacionais e internacionais vão noticiando este caso" - vários jornais, especializados e de referência, têm dado conta do caso Mapplethorpe em Serralves.