Itália desafia Bruxelas no défice, Comissão lembra dívida "explosiva"
Comissário europeu Moscovici diz querer evitar um conflito com Roma, mas avisa que as regras são para respeitar.
A decisão do Governo italiano de manter um défice mais alto do que o previsto, deixando-o nos próximos três anos em valores equivalentes a 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), não é bem vista em Bruxelas e está a ser mal recebida nos mercados financeiros pelo receio de que o país não cumpra a trajectória de correcção das contas públicas. Mas se a estratégia de Roma é considerada um desafio à Comissão Europeia, a primeira reacção do comissário europeu Pierre Moscovici, responsável pela pasta do euro, foi a de não querer comprar uma guerra. Sem, porém, deixar de avisar que as regras são para respeitar.
Nos mercados financeiros, as preocupações estão a ter eco ao longo do dia desta sexta-feira, com uma subida dos juros das transacções de títulos de dívida pública italiana e uma queda de 4% na Bolsa de Milão.
O Governo de coligação da Liga-Movimento 5 Estrelas esteve reunido na quinta-feira e ao fim de 12 horas aprovou as linhas orientadoras do orçamento, incluindo nas mesmas algumas das medidas fazem com que o défice seja superior ao esperado. Não é uma surpresa absoluta: Roma já tinha ameaçado incumprir as regras, embora dentro do Governo liderado por Giuseppe Conte tenham surgido também declarações que tentavam uma aproximação às regras da zona euro.
O Governo aprovou um rendimento de cidadania e uma reforma à lei das pensões, medidas que mexem com as contas públicas. O ministro da Economia, Giovanni Tria, tinha-se comprometido com um défice de 2%, mas as posições de Luigi di Maio (do 5 Estrelas) e de Matteo Salvini (da Liga, de extrema-direita), vice-primeiros-ministros do Governo, acabaram por vingar, retirando espaço às posições mais conciliadoras com as metas orçamentais da União Europeia.
Embora a previsão esteja dentro do limite de 3% de défice previsto no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), Itália estaria vinculada a seguir uma trajectória de redução (quando o que propõe é um défice de 2,4% em 2019, 2020 e 2021). E esse não é apenas o único critério de avaliação das finanças públicas do PEC, já que a redução dos desequilíbrios económicos passa também pela descida do nível da dívida pública.
Avisos de Moscovici e Tajani
O país tem a segunda maior dívida pública na zona euro, superior a 133% do PIB, só superada pela Grécia e um pouco acima do rácio de Portugal (126,4%). E essa é uma das preocupações do executivo comunitário. Já reagindo ao anúncio de Roma, o comissário Moscovici veio dizer que a análise ao esboço do orçamento acontecerá em Outubro, mas não deixou de fazer um aviso sobre os desequilíbrios do país, classificando a dívida italiana como “explosiva”.
À televisão francesa BFM TV, afirmou que a Comissão não tem “qualquer interesse” em entrar em crise com Itália por ser um país “importante” da moeda única. “Também não temos interesse em que Itália não respeite as regras e não reduza a dívida, que continua a ser explosiva”, referiu o comissário, citado pela Reuters.
A estratégia do executivo da Liga-Movimento 5 Estrelas foi duramente criticada nesta sexta-feira pelo presidente do Parlamento Europeu, o italiano Antonio Tajani, que a considerou ir “contra as pessoas”, ao contrário do que defende o Governo, que a classificou como de “mudança”.
Para Tajani, eleito pelo Forza Italia nas listas dos democratas-cristãos europeus, as escolhas do executivo vão criar “muitos problemas no Norte [do país], sem resolver os problemas no Sul”.
Juros em alta
Nos mercados, o dia está a ser negativo. No mercado de recompra de dívida soberana – onde os investidores privados manifestam intenções de negociação e concretizam a compra e venda de títulos de dívida já emitidos pelos Estados –, as taxas de juro das Obrigações do Tesouro italianas estão a subir em todos os prazos (os títulos que vencem ao fim de dez anos, o prazo de referência, os juros estão nos 3,2%).
Também na bolsa italiana o dia está a ser negativo, com o principal índice de Milão, o FTSE MIB, a perder cerca de 4% por volta das 15h (hora de Lisboa). As principais praças europeias estão também em queda, mas com perdas mais baixas, inferiores a 2%.