Credibilidade do banco é mais importante que resultados, diz presidente do BCP
O presidente executivo do Millenium BCP disse hoje à Lusa, respondendo a questões sobre o caso que levou à prisão, em Angola, de José Filomeno dos Santos, que a credibilidade é mais importante que os resultados de curto prazo.
"A reputação e a credibilidade são mais importantes que os volumes e os resultados de curto prazo", disse o presidente da comissão executiva do Millennium BCP, Miguel Maya, quando questionado sobre a actuação do banco na investigação do Ministério Público de Angola e que levou à prisão preventiva do filho do ex-chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos.
"Em nenhuma circunstância pomos os interesses do negócio imediato acima da credibilidade do Banco e do interesse da generalidade dos clientes e 'stakeholders'", disse Miguel Maya, vincando que "o rigor em matéria de 'compliance' [cumprimento das regulamentações bancárias] é algo a que atribuímos uma importância central [porque] está em causa a reputação do banco e a confiança que os clientes em nós depositam".
Questionado sobre se os clientes podem esperar sigilo absoluto do seu banco, Miguel Maya respondeu: "Os clientes podem esperar transparência, sigilo e reserva absoluta da sua relação com o Millennium bcp, respeitados que sejam os princípios que enquadram o relacionamento entre o cliente e o banco".
A esses requisitos, continuou, "é dada a maior relevância logo no momento da abertura da conta (Know Your Customer: conhecimento detalhado do cliente e da sua actividade) e sempre que se efectuam transacções financeiras".
Miguel Maya argumentou que "este rigor é do interesse e defende os clientes, pois o seu património só está devidamente protegido em instituições que tenham bem presente que a reputação e a credibilidade são mais importantes que os volumes e os resultados de curto prazo".
O presidente do Millennium BCP salientou que "o banco está a investir em novas tecnologias (digital) também para dar ainda melhor resposta à prevenção de problemas em matéria de 'compliance'" e lembrou que foi recentemente alterada "a estrutura de governo interno do banco, ao nível de Portugal mas também ao nível de grupo, com vista a reforçar a denominada segunda linha de defesa do banco".
Na quarta-feira, a Lusa noticiou que o Millennium BCP notou um volume de negócios "inconsistente" na conta de uma empresa do angolano Jorge Gaudens, sócio de José Filomeno dos Santos, indica o Ministério Público, no caso da transferência ilícita de 500 milhões de dólares.
De acordo com a acusação, em que José Filomeno dos Santos, filho do ex-chefe de Estado angolano José Eduardo dos Santos, e Jorge Gaudens Pontes Sebastião, são arguidos neste processo, a distribuição de cerca de 15 milhões de euros por outras contas de outras áreas levou a que o banco português Millennium BCP realizasse uma análise para entender se as operações da empresa Mais Financial Services estavam em conformidade com a lei.
"Esta movimentação de valores suscitou reservas, tendo o banco em Portugal, para onde o dinheiro havia sido transferido, feito uma análise de ‘compliance’", lê-se na acusação.
A análise deveu-se ao "volume total dos valores movimentados na conta, bem como pelas características das operações".
"Materializavam fluxos avultados entre contas do mesmo universo empresarial e ainda evidenciavam um volume e relações de negócios que aparentavam ser inconsistentes com o ramo de actividade económica da empresa Mais Financial Services", continua a acusação.
De acordo com o despacho, a Mais Financial Services, representada por Jorge Gaudens, e o Banco Nacional de Angola (BNA), representado pelo então governador, Valter Filipe Duarte da Silva, assinaram um contrato que obrigaria o banco central a pagar 49,7 milhões de euros à empresa.
Assim que o contrato foi assinado, a 3 de Julho de 2017, e sem qualquer serviço prestado, a Mais Financial emitiu facturas no valor de 7,455 milhões de euros, tendo, no final do mês, emitido mais duas no valor de 17,395 milhões de euros.
Uma conta da Mais Financial Services registada no Millennium BCP, em Lisboa, recebeu 24,85 milhões de euros do BNA, tendo depois redistribuído 15 milhões de euros por outras empresas.
Entras as destinatárias estão a empresa de gestão de resíduos Resource Conversion, de Hugo Onderwater - em paradeiro incerto, segundo a acusação -, que recebeu 5.535.296 milhões de euros, a consultora BarTrading, de Samuel Barbosa da Cunha - igualmente em paradeiro incerto - que recebeu 2,8 milhões de dólares (2,4 milhões de euros) ou a Concera, da indústria do betão, de Jorge Gaudens, recebeu 4,35 milhões de euros.
Duas outras transferências foram feitas para contas individuais, nomeadamente para uma em nome do próprio Jorge Gaudens, no valor de 1,7 milhões de euros.
As movimentações inserem-se num esquema, segundo a acusação, preparado por José Filomeno dos Santos e vários associados, que pretendiam desviar 1500 milhões de dólares (1278 milhões euros), sob o pretexto da criação de um fundo de investimento.
José Filomeno dos Santos foi detido preventivamente na segunda-feira, no âmbito de um segundo processo, sobre a sua gestão no Fundo Soberano de Angola, entre 2012 e 2018.
Além de José Filomeno dos Santos, também o seu sócio Jorge Gaudens, o antigo governador do BNA Valter Silva e um funcionário do banco central, António Samalia Bule Manuel, são visados pela acusação, tendo sido constituídos arguidos.
Segundo a acusação, o processo levou a que Angola registasse um prejuízo de 8.521.500 dólares (7,2 milhões de euros), 2.065.707.75 libras (2,3 milhões euros) e 5.553.000 kwanzas (16.268 euros).