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Uma rapariga, uma carrinha e muitas estradas até à China

Susi Cruz desistiu da faculdade, deixou o trabalho e fez-se à estrada, sozinha. Há um ano que a alemã de 25 anos viaja na carrinha que converteu em casa sobre rodas. O objectivo é chegar à China. Mas acaba sempre por voltar a Portugal (e, agora, a um português).

Há um mês que a carrinha de Susi Cruz está parada numa oficina nos Carvalhos, Vila Nova de Gaia — e para quem anda na estrada há um ano, um mês com o mesmo cenário é “mesmo muito tempo”. Como é que uma jovem alemã que quer chegar à China por terra vai parar à garagem no meio do nada do Sr. Manuel, já reformado? Susi, 25 anos, tira a máscara, sacode o pó da roupa e estende a mão. “Uma lição: as coisas nunca acontecem como tu imaginas”, ri-se.

Com Peño, um cão de porte pequeno e grande energia, partiu de Düsseldorf, na Alemanha, em Setembro de 2017. Já passou pela Bélgica, França, Espanha, Portugal e Marrocos. Desistiu da universidade quase no final do curso — “design de moda não era 100% o que eu gostava” — deixou o trabalho — “a vida é mesmo muito curta para não fazermos o que queremos, não é?” — e pegou no dinheiro que tinha juntado durante dois anos a servir às mesas e a gerir Airbnbs (continua a ser uma forma de rendimento durante a viagem).

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Susi Cruz, 25 anos, a trabalhar na remodelação da carrinha onde vive

Os pais, a razão pela qual fala chinês e quer chegar à China, “eram completamente contra”. Mas Susi Cruz procurava, na vida real, a mesma “liberdade” das publicações marcadas pela hashtag #vanlife, que lhe apareciam no Instagram. Famílias inteiras que partilhavam as viagens por parques naturais ou estradas desertas, a bordo de uma carrinha que “tem o conforto de uma casa”. Casais que tentavam perceber se conseguiam viver de forma minimalista, num espaço confinado, onde têm de estar sempre na cara um do outro. Jovens que se recusavam a pagar uma renda e a voltar sempre ao mesmo sítio, no final do dia. “Eu vi aquelas histórias e só disse: tenho de fazer isto. Vou construir a minha carrinha. E vou viajar pelo mundo.” 

Foi descobrindo o "como" pelo caminho. Spoiler: “Não foi assim tão difícil.” “É incrível o quanto eu aprendi só porque estava realmente interessada em aprender”, partilha. Comprou a camper van Vw T3 com a caixa vazia e remodelou-a, sozinha, ao longo de quatro meses. Leu muito sobre mecânica, viu tutoriais no YouTube (agora faz os dela), aderiu a grupos no Facebook de pessoas que estavam a tentar fazer o mesmo. “A entreajuda é um valor muito importante neste estilo de vida”, aprendeu. 

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No início da viagem, “ligava pouco às redes sociais". Um ano depois, passa duas horas por dia só a responder às mensagens que lhe chegam, de desconhecidos. “Apercebi-me que quando viajas sem parar torna-se um bocadinho aborrecido.” Interrompe-se rapidamente: “É estranho dizer isto, porque toda a gente quer viajar. Mas eu estava habituada a um horário de trabalho muito pesado, a ter aulas ao mesmo tempo e comecei a sentir-me muito vazia. Houve alturas em que em vez de achar que estava a aproveitar a vida, achei que a estava a desperdiçar”, justifica. “É bonito veres esta cidade. É muito bom estares nesta praia, mas depois de 200 cidades, 400 praias, só dizes: ‘Boa, mais uma’.”

Como parar não estava nos planos, arranjou maneira de transformar “paixões numa ocupação”. Gostava de vídeo, fotografia e divertia-se com o “poder de inspirar” das redes sociais. “Fico muito contente por termos esta oportunidade, hoje em dia.” Agora, concentra-se em fazer crescer a comunidade que, a partir de um ecrã, entra directamente na sua carrinha: 60 mil seguidores no Instagram e 120 mil subscritores no YouTube. A porta de entrada, defende, é “a honestidade”.

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O interior da carrinha Vw T3 Susi Cruz

“Não tens a noção profunda do que é a van life se só vês fotografias bonitas, em paisagens espectaculares e onde tudo parece um sonho. O feed faz com que te sigam, porque ninguém quer ver pessoas tristes o tempo todo. Mas quando vês os meus vídeos, percebes que uma carrinha antiga avaria muitas vezes, que a minha experiência em Marrocos não correu nada bem, que às vezes me sinto sozinha, que choro. Ou que não tenho uma casa de banho e que parte do meu tempo é passado a arranjar uma solução para isso”, brinca. “Quero encorajar as pessoas a serem honestas e a fazerem o que gostam e não o que acham que é suposto fazerem. Mas não lhes vou mentir.” 

No canal de YouTube apresenta receitas fáceis para cozinhar na carrinha (foi uma das participantes na versão alemã do Masterchef); mostra o processo de conversão da camper van; explica como se consegue sustentar a viver a tempo inteiro na carrinha; fala da rotina diária; de como é ser mulher e viajar sozinha (“Meninas, de que estão à espera?”); das pessoas que conhece ao longo da viagem; de como, sem querer, começou uma relação à distância

E isso traz-nos de volta à oficina em Portugal. E à resposta à pergunta no início do texto: na primeira vez que veio ao Porto, Susi conheceu João, o rapaz português que começou a aparecer ao seu lado, em algumas fotografias. “Não era suposto isto acontecer”, ri-se. “E tenho adorado o tempo que passo aqui, com ele. Mas, para mim, acho que está na hora de continuar.” 

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Susi Cruz

A carrinha está a passar por uma segunda remodelação. O interior, cuidadosamente decorado, está um caos. Vai ser pintada, desta vez com tinta própria para carros, já que Susi Cruz a pintou de cor-de-rosa só com um pincel e tinta para paredes. É ela que vai para a garagem trabalhar todos os dias, e que fica lá, mesmo depois de a oficina fechar. Espera que para a semana já esteja pronta. “Ter um namorado não muda o meu sonho. Dá-me alguém com quem o partilhar”, sorri, a espreitar para ver se João está ou não a fazer um bom trabalho na carrinha onde ela vai seguir viagem, outra vez sozinha. Dali ao Reino Unido ainda são quase três mil quilómetros. Muita coisa pode acontecer pelo caminho.

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