Moreira responsabiliza Costa no “caso Infarmed”

Presidente da Câmara do Porto diz que o “poder sucumbiu à máquina do Estado e à máquina instalada” e que o “Infarmed nunca sairá de Lisboa”

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Rui Moreira com António Costa num evento, no Porto, em Junho de 2016 ruf rui farinha/nfactos

O presidente da Câmara do Porto responsabiliza o primeiro-ministro, António Costa, na decisão de suspender a deslocalização do Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde para o Porto.

Na segunda-feira à noite, à entrada para um jantar-debate, na Fundação Cupertino de Miranda, organizado pelo seu movimento, Rui Moreira reagiu pela primeira vez ao recuo do Governo, sublinhando que a decisão de transferir aquele organismo para o Porto “resulta de uma deliberação do Conselho de Ministros em que a responsabilidade máxima é, naturalmente, do primeiro-ministro”.

Moreira recordou que António Costa disse e repetiu que o Infarmed iria para o Porto. A verdade é que, em Dezembro, no Parlamento, disse de forma taxativa: “A decisão do Governo é que o Infarmed vá para o Porto, a decisão do Governo é que o Infarmed vá para o Porto. Percebeu? Vou repetir uma quinta vez: a decisão do Governo é que o Infarmed vá para o Porto. Está claro agora, estamos entendidos?", respondeu Costa ao PSD. 

Declarando que “já antevia este recuo do Governo quando há umas semanas se dizia que esta questão do Infarmed era a anedota da descentralização”, Moreira disse que “se havia a vontade de ter o Infarmed instalado em Janeiro [de 2019] na cidade do Porto (…)” seria normal “em princípio de Setembro que começasse a achar que isto era uma situação anedótica”. “O Infarmed nunca vai sair de Lisboa”, decretou, em declarações aos jornalistas.

Num registo low profile, o autarca independente não arriscou dizer o que é que aconteceu para este recuo, mas não tem dúvidas de que “houve alguma coisa que obrigou o poder político” a desistir da decisão várias vezes mencionada no Parlamento pelo primeiro-ministro. E atirou: “É um processo em que o poder sucumbiu à máquina do Estado e à máquina instalada”. Para Moreira, o Infarmed “nunca sairá de Lisboa”.

O autarca portuense fez ainda questão de acrescentar que ninguém do Governo perdeu cinco minutos para lhe dar uma palavra sobre o assunto. “Ninguém do Governo falou comigo que seja do meu conhecimento”, garantiu.

“Há um ditado que diz: tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Neste caso, assume, é tudo como dantes, Infarmed em Lisboa. “Não me verão rasgar as vestes por isso”, disse ainda.

Lógica centralista

Assunção Cristas foi a líder partidária mais crítica da forma como o Governo tratou este dossiê, que considera “mal-gerido e desastrado”. Considerando “inadmissível a falta de consistência do Governo nesta matéria”, a concelhia do CDS também condenou, em comunicado, a “actuação desastrosa e danosa do interesse público nacional e dos interesses da região e do país adoptada pelo Governo”.

Tratando-se de uma “questão suprapartidária”, o CDS-Porto, presidido por Isabel Menéres, apela à “realização urgente” de um debate nacional sobre a descentralização e a desconcentração dos serviços do Estado”, que o Governo está a levar a cabo.

“Esta situação, além do mais, evidencia que o Governo não pretende promover a descentralização, nem a desconcentração dos serviços do Estado. Este anúncio do ministro [Adalberto Campos Fernandes] e do Governo não é acompanhado de um plano de descentralização e de desconcentração de serviços e de instituições para a cidade do Porto ou para as cidades do país”, acrescenta o comunicado, criticando o Governo de “desdizer o que havia anunciado em finais de 2017, sem qualquer pudor nem remorso”.

A hipótese de transferir o Infarmed para o Porto não foi consensual desde que foi colocada em cima da mesa. No fim-de-semana, o PSD-Porto exigiu a demissão do ministro Adalberto Campos Fernandes e o PSD nacional começou por manter-se em silêncio. Questionado pelo PÚBLICO, o líder dos sociais-democratas não quis prestar declarações.

Mais tarde, porém, Rio acabou por comentar o caso. "Está claro perante a opinião pública que há uma confusão geral e foi uma leviandade completa a forma como tudo foi anunciado. Foi uma leviandade, uma falta de sentido de responsabilidade, porque se lançou uma proposta que não estava estudada e minimamente preparada. Foi um fogacho", disse o presidente do PSD, que falava aos jornalistas na sede do partido de Vila Nova de Gaia, onde se reuniu com militantes do distrito do Porto. 

"Pelas notícias percebemos que foi uma confusão geral. Andamos para a frente e para trás e, mesmo assim, agora não sei se é para trás totalmente, porque dizem que vai para a comissão para ser analisado. É uma confusão", insistiu Rui Rio.

Atitude leviana

Do lado do PS, as divergências são mais óbvias com Manuel Pizarro a considerar, tal como o PÚBLICO noticiou, que o ministro teve uma atitude “leviana”.

“A atitude do ministro da Saúde é de lamentável leviandade. O senhor ministro começou por anunciar que o Infarmed vinha para o Porto, depois anunciou que se ia criar um grupo de trabalho para estudar as questões técnicas associadas a esta deslocalização e, finalmente, desautoriza a sua própria decisão e as recomendações do grupo de trabalho”, criticou Pizarro.

“A forma como o dossiê Infarmed foi tratado é, seguramente, reflexo de uma lógica centralista e, eventualmente, é algo que o PS-Porto não se pode orgulhar”, disse ainda o socialista.

O PÚBLICO tentou, ao longo desta segunda-feira, ouvir a porta-voz do PS, sobre este assunto, mas sem sucesso.

Para Moisés Ferreira, deputado do BE, o processo de mudança do Infarmed “começou mal e provavelmente não deveria ter começado”, tendo em conta que nem os trabalhadores nem o conselho directivo foram ouvidos antes do anúncio oficial do Governo. “Este é um processo que não satisfaz ninguém e daí ser mais absurdo tanta obstinação do Governo durante tantos meses”, afirmou, lamentando a instabilidade criada com a presença de grupos de trabalho dentro do Infarmed “a ter acesso a informação confidencial”, disse ao PÚBLICO.

Salientando que o partido não é contra a descentralização, o deputado ressalvou: “Não estamos a discutir a descentralização em abstracto, estamos a discutir o Infarmed”. E embora o anúncio da suspensão feito na última sexta-feira agrade, para os bloquistas não é suficiente, tendo em conta que a decisão passou para as mãos da comissão liderada por João Cravinho e que vai avaliar os processos de descentralização dos serviços públicos. “Era bom que se dissesse de uma vez por todas que esta questão acabou. É altura do Governo clarificar de uma vez por todas a sua decisão: se abandonou ou não a ideia” da deslocalização. “Se não clarificar, não abdicaremos de pedir esclarecimentos”, disse Moisés Ferreira.

Decisão unilateral

O facto de “se vir propor que o Infarmed pudesse ir para outra localização” sem que os trabalhadores fossem ouvidos, faz a deputada do PCP, Paula Santos, afirmar que o processo “não foi conduzido de forma correcta”. “Consideramos que é um fundamental que se tenha em conta os direitos dos trabalhadores”, apontou, salientando que o que houve foi uma “decisão unilateral, sem ouvir os representantes dos trabalhadores”.

Situação que levou o partido comunista a considerar que “é avisado que haja uma suspensão do processo e que se faça uma avaliação efectiva e que se actue tendo em conta as questões colocadas pelos trabalhadores”. Paula Santos apontou o dedo à falta de vontade do Governo em avançar com as regiões administrativas, processo que considera fundamental para se avançar com a verdadeira descentralização.

Da certeza absoluta à comissão

Esta é uma história que começa a 21 de Novembro do ano passado, quando, em simultâneo, o ministro da saúde, em Lisboa, e Rui Moreira, no Porto, anunciam que a deslocalização do Infarmed. A mudança foi dada como uma certeza absoluta: a 1 de Janeiro de 2019 a sede e grande parte dos serviços começavam a ser transferidos para o norte do país, ficando Lisboa com um pólo regional.

A notícia caiu como uma bomba junto dos trabalhadores, que durante estes dez meses se mostraram sempre contra a deslocalização da agência do medicamento para fora de Lisboa. E com a saída de uma percentagem elevada dos funcionários, a continuidade do Infarmed ficaria em causa.

Também o presidente da República foi surpreendido com o anúncio. Assim como o conselho directivo do Infarmed, que só foi informado na manhã em que o Governo o tornou público. Isso mesmo foi assumido pela presidente Maria do Céu Machado numa entrevista ao PÚBLICO, onde também dizia que o que lhe tinha sido comunicado pelo ministro era uma intenção e não decisão.

O primeiro-ministro e o ministro da Saúde acabaram por admitir que houve uma inabilidade na comunicação. Mas isso não poupou Adalberto Campos Fernandes de ir à comissão de saúde para prestar explicações. Também o conselho directivo e a comissão de trabalhadores foram chamados ao Parlamento.

A decisão acabou por se tornar numa intenção, com o ministro da saúde a anunciar a criação de um grupo de trabalho para avaliar a mudança. E assegurou que a vontade e os direitos dos trabalhadores seriam tidos em conta. O grupo apontou um aumento de eficiência do Infarmed e uma poupança estimada de cerca de oito milhões de euros em 15 com custos de manutenção e rendas. Mas com um investimento inicial de 17 milhões de euros.

A decisão do Governo soube-se esta sexta-feira. A mudança está suspensa por considerarem que não estão reunidas as condições – 90% dos trabalhadores não querem mudar, o que teria implicações graves no funcionamento do Infarmed – e a decisão final vai caber à comissão que vai avaliar os processos de descentralização dos serviços públicos. Mas que ainda não está em funções.

* Notícia actualizada às 9h30 de 25 de Setembro com a posição de Rui Rio.

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